Com o presente artigo
pretende descrever a história de Moçambique numa perspectiva dos direitos
humanos, desenvolvimento económico e boa governação, partindo duma análise
sobre o processo de integração de Moçambique na Economia Mundo (através da
escravatura, cultivo do algodão e cultivo de arroz). Analisa-se o
papel desempenhado pela cultura de algodão na economia-mundo, e o papel
desempenhado pelo trabalho migratório na economia moçambicana no período de
1930-1970 e pós independência. E já na recta final analisa-se a trajectória
do desenvolvimento de Moçambique nos períodos de 1930 – 1974 e 1975-1987. Por
fim, são tecidas algumas considerações finais, sendo que a metodologia aplicada
centra-se na revisão bibliográfica.
Moçambique foi integrado na economia mundo muito antes de ser
"Moçambique". Isto porque este processo de integração data desde os
séculos XVI-XVII, período em que já se verificava a penetração árabe na costa
norte de Moçambique. Estes árabes desenvolviam a escravatura nas margens sul do
vale e da alta Zambézia para diversos mercados oceanoindicos (MEDEIROS, 1988).
A integração de Moçambique na economia mundo inicia com as piores formas de
violação dos direito humanos, as primeiras formas de acumulação de capital, as
trocas comerciais desiguais (SANTOS, 2013; MEDEIROS, 1998). Estas
primeiras formas de integração demonstraram a existência de níveis de
"ignorância, negligência ou o menosprezo dos direitos do homem, estes que
são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental"
(HUNT, 2009: 17).
Por outro lado, Moçambique é integrado na economia mundo através do cultivo
do algodão por volta de 1938. Nesta época "o governo português,
através de legislação algodoeira, passou a controlar, a partir de Lisboa, todos
os aspectos da produção e comercialização do algodão nas colónias",
criando a Junta de Exportação de Algodão Colonial (JEAC), com sede em Lisboa
(FORTUNA, 1993: 45). Através deste organismo, o governo pretendia estabelecer
um maior controlo sobre as companhias concessionárias em Moçambique. No
entanto, o sistema de produção camponesa mantinha-se, e as companhias
obrigaram-se a desenvolver, mais activamente, a cultura do algodão em concessões
alargadas. Com esta integração pode-se verificar que Moçambique impulsionou
significativamente o desenvolvimento de Portugal, e foi no "período de
1936-1939 que a indústria têxtil portuguesa recebeu um grande estímulo para o
seu desenvolvimento através do acesso ao mercado têxtil em Espanha, cujas
fábricas diminuíram a produção durante a prolongada guerra civil" que
atingiu esse país europeu (HEDGES, 1993:89).
O cultivo de arroz entra também como elemento de integração de Moçambique
na economia mundo. Nesta integração, Portugal, para promover a auto-suficiência
em arroz decide introduzir a produção obrigat6ria do arroz. E círculos
orizicolas foram constituídos e os europeus responsáveis pela compra, descasque
e comercialização, passaram a ser supervisionados pela divisão do fomento
orizícola, criada em 1942, e que tinha poderes semelhantes aos da JEAC[1]. A cultura forçada de arroz baseava-se, desde o seu
começo, no modelo da cultura do algodão, baseava-se também na pressão exercida
pelos administradores, cipaios e capatazes. Os concessionários deviam
distribuir as sementes, fertilizantes e sacos, tendo cada homem que cultivar um
hectare e cada mulher meio-hectare. O "arroz devia ser vendido pelo
camponês apenas ao concessionário, a um preço baixo, fixado pelo governo" (HEDGES,
1993: 93).
Esta integração de Moçambique na economia mundo através de culturas
forcadas (algodão e arroz) continuou ignorando os direitos humanos dos
camponeses, uma vez que "o rendimento por hectare não era compensado
de acordo com a produção" (HEDGES, 1993: 88). Esta violação dos direitos
humanos não termina com culturas forcadas, mas continuou através doutras
formas, caso da exploração do homem como carregador de machila, na construção
de estradas, caminhos de ferro, e até na própria assimilação (CHILUNDO, 2001;
NGOENHA, 2000).
Portugal, devido a sua incapacidade financeira de ocupar efectivamente
Moçambique opta, nos finais do século XIX, por arrendar o centro e norte de
Moçambique a companhias majestáticas e arrendatárias, reservando o sul do
paralelo 22 (províncias de Inhambane, Gaza e Maputo) para fornecer mão-de-obra
às minas da África do Sul, integrando desta forma Moçambique na economia mundo.
Este trabalho migratório serviu mais os interesses dos regimes coloniais e do
apartheid. Esta exportação da mão-de-obra constituiu num marco mais alto da
exploração do trabalhador moçambicano, como também o marco da distorção e do
subdesenvolvimento da economia nacional, este trabalho que constituiu ainda
mais um problema central do período de transição para o socialismo (CEA, 1998).
De forma geral, a integração de Moçambique na economia mundo através da
escravatura, culturas forcadas e o trabalho mineiro justifica o atraso de
Moçambique, em que a sua governação esteve sempre assente num Portugal incapaz,
que olhava para o capital internacional (alemão, inglês, francês, etc.) como
solução das necessidades de Moçambique. O desenvolvimento económico de
Moçambique pode ser percebido actualmente como sendo resultado duma sequência de
factores interligados, que desagua nas instituições da Breeton Woods (FMI e
BM), e que claramente subjuga a economia nacional numa dependência financeira
total, comprometendo o futuro da nação. A integração de Moçambique na
economia-mundo teve, na sua história, o papel desempenhado pela cultura de
algodão.
Ao falar da cultura de algodão torna pertinente destacar que a Inglaterra,
nos anos 1760, foi das primeiros países europeus a produzir em grande escala o
algodão e desenvolvendo muito a industria têxtil, sem ter que falar da Índia
dos anos 1640. E por ter se centrado muito mais na produção do algodão, muitos
outros países (Alemanha, França, etc.) partiram para outras áreas, tais como
metalúrgica, química, automóvel, etc. Portanto esta centralidade no algodão
criou um colapso da indústria inglesa e manteve outros países europeus na
dianteira.
Moçambique se iguala a este exemplo da Inglaterra quando Portugal introduz
Moçambique no mercado internacional através da cultura da indústria têxtil,
isso no momento em que a indústria têxtil já havia perdido seu valor, razão
pela qual, justifica-se por um lado, o atraso de Moçambique. A cultura de
algodão, no geral, foi responsável em várias partes do globo pela sujeição de
numerosos contingentes de mão-de-obra aos ditames da produção mercantil
(FORTUNA, 1993). Esta sujeição pode ser vista como uma forma de uso da forca de
trabalho para acumulação capitalista do lucro, visto que "do gado se fax
sebo, e das pessoas o dinheiro" (WEBER, 2004: 45).
O cultivo de algodão em Moçambique foi um "arranjo económicos e
políticos dominantes de Portugal e que só a partir do século XIX começa a
despertar algum interesse internacional, sujeitando cada vez mais Moçambique a
dominação colonial portuguesa" (FORTUNA, 1993: 170). Portanto, a cultura
de algodão não foi a única que teve grandes impactos na economia moçambicana,
pois que verificou-se também, em grandes escalas a exploração do trabalho migratório,
que teve, por sua vez, um enorme papel importante na economia da África do sul
e de Portugal.
O trabalho migratório teve um enorme papel para Portugal, África do sul e
em última instancia, algumas desvantagens para Moçambique. Portugal ganhava nos
anos 1945, através do sistema de pagamento diferido os subsídios que
contribuíram significativamente para o balanço positivo de divisas da economia
colonial, o que levou a que o governo colonial encorajasse a migração
temporária. Ganhava também barras de ouro, estes que poderiam substituir os
subsídios pagos pelas minas. Portugal, pretendeu, contudo, sempre
"regulamentar as correntes migratórias para melhor cobrar impostos e
assegurar o repatriamento, investindo consideráveis fundos na repressão da
emigração clandestina, pelo menos no sul do país", através da polícia
secreta africana, montada para o efeito (HEDGES, 1993: 157).
A mão-de-obra mineira moçambicana contribuiu enormemente na economia
sul-africana. Só para elucidar, "o número de migrantes moçambicanos nas
minas da África do Sul aumentou de cerca de 78.000, em 1945, para cerca de
96.000, e em 1960, para mais de 200.000, sendo que a Rodésia do sul alcançou em
1956 cerca de 117.000 trabalhadores mineiros" (HEDGES, 1993: 158; CEA,
1998).
O trabalho migratório teve enormes desvantagens, em última instancia, para
Moçambique. Um dos aspectos foi a "ideologia difundida pelos recrutadores
de que trabalhar nas minas significaria virilidade, símbolo de poder,
etc", e esta ideologia reproduziu cada vez mais o sistema de exportação de
mão-de-obra, o que culminou que cerca de três gerações passassem grande parte desenvolvendo
África do sul, do que Moçambique (CEA, 1998: 5).
Com a Frelimo[2], este trabalho migratório tende a ser eliminado, visando o regresso de
moçambicanos para trabalhar em sectores de indústrias, agricultura, etc. Este
regresso de mineiros teve um papel importante, pois que alguns, embora
dificuldades de língua, conseguiram-se enquadrar como electricistas, condutores
de máquinas nos caminhos de ferros de Moçambique, mecânicos, etc. Com os
trabalhadores moçambicanos nas minas da África do Sul, Portugal ganha divisas,
barras de ouro, etc., desta forma intensifica-se o nacionalismo económico
português, verificando-se o significativo papel do mineiro moçambicano na
trajectória do desenvolvimento de Moçambique.
Até cerca de 1930, as relações económicas entre Portugal e Moçambique eram
reduzidas, sendo os investimentos portugueses muito pouco significativos. Mas
devido ao golpe de Estado militar de 1926, "o novo regime estabelecido em
Portugal procurava mudar este cenário. Os anos subsequentes até 1937 foram da
implementação do nacionalismo económico português" (HEDGES, 1993: 39).
Algumas medidas implementadas foram as seguintes:
ü Redução dos custos através do
abandono de actividades dispendiosas, de despedimento de pessoal (incluindo
europeus), e do encerramento de algumas fábricas menos rentáveis (caso da
companhia Boror) que abandonou algumas plantações de sisal, suas machambas
experimentais e fechou a sua salina e algumas lojas rurais. Entre 1931 e 1935,
a Sena Sugar Estates encerrou as suas velhas plantações e fábricas em Caia e
Mopeia, e reduziu um pouco a produção nas fábricas de Marromeu e Luabo;
ü Produtos como o coco passaram
a ser comprados aos camponeses a preços mais baixos;
ü As empresas recorreram ainda
a reduções salariais;
ü Algumas plantações
introduziram novos métodos para aumentar a produtividade, como, por exemplo, a
utilização de animais de tracção em vez de trabalho braçal e de estrume como
fertilizante.
As medidas acima mencionadas permitiram que o volume global das exportações
de Moçambique se mantivesse, chegando mesmo a registar se subidas ligeiras,
durante a crise mundial. No entanto, o valor das exportações de 1929 desceu
para metade em 1933. Em 1936, e depois de uma certa recuperação, o rendimento
foi apenas de 75% relativamente a 1929, apesar de ser um ano recorde de
exportações em termos do volume. Para além das medidas acima, Portugal
concentra-se cada vez mais no trabalho migratório, pretendendo limitar a perda
de divisas, renegociando, em 1934, a Convenção de 1928 com a África do Sul.
Como também a comunidade colona não ficou completamente isenta destas medidas,
em que o número de brancos desempregados também aumentou entre 1930 e 1932
(HEDGES, 1993).
No tocante a educação, o governo colonial procedeu a modificações no
sistema educacional de Moçambique. Concretamente passou a controlar mais
directamente o ensino destinado à população negra. O objectivo do governo
colonial era criar um sistema capaz de habilitar o indígena para
o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial moçambicana.
Por outro lado, o ensino para os brancos, que ocupavam os melhores postos de
trabalho, tinha que oferecer uma formação mais completa, que os indígenas não
precisavam. Foi por esta razão, que os funcionários da educação, perante o
aumento da população branca em Moçambique, propunham uma separação mais
acentuada entre o ensino das crianças indígenas e o das civilizadas (HEDGES,
1993; NGOENHA, 2000). Desta forma, a educação em Moçambique, desde o período
colonial até a actualidade, não satisfaz os moçambicanos nem resolve os
problemas dos moçambicanos, pois que "os objectivos da educação eram
políticos" (NGOENHA, 2000: 38).
Durante o período de 1945 a 1960 assiste-se a uma expansão relativamente
rápida e determinadas industrias viradas para o mercado local, devido ao facto
de que a comunidade colona em expansão não podia ser totalmente absorvida pela
agricultura, e que as industrias viradas para o mercado interno que surgiram
nunca foram directamente competitivas com os principais ramos de exportação de
Portugal. Neste processo a lei do condicionamento industrial pretendia eliminar
a concorrência interna das empresas já existentes em cada ramo, mas ao mesmo
tempo, contribuir para a estagnação tecnológica, a criação de monopólios e a
fraca qualidade dos bens e serviços comercializados (HEDGES, 1993).
A introdução de planos de fomento visava a elevação do nível de vida dos
portugueses, assegurar -lhes novas e melhores oportunidades de emprego,
modernizar a técnica e o equipamento na agricultura e nas indústrias. Estes
planos de forma geral pretendiam subordinar os interesses das colónias aos da
metrópole. Nesses planos, verificou-se no período de 1953-1958, a construção de
infra-estruturas económicas e a promoção da imigração branca. No período de
1965 a 1967 verificou-se o apoio especial a sectores de exportação. No
"período de 1968 a 1973 verificou-se o desenvolvimento industrial e no
período de 1974 verifica-se o processo de industrialização", que por
razões pan-africanas não foi concretizado na sua totalidade pelo governo
português (PITCHER, 2002: 143). Desta forma, verifica-se que no momento mais
alto da presença portuguesa em Moçambique, os moçambicanos toma o poder e
começam a trilhar sobre os seus próprios ideias de libertação do povo
moçambicano, já no pós-independência.
Depois de 1975, Moçambique começa a caminhar pelos seus próprios pés com o
comando da Frelimo e sobre os ideais do nacionalismo africano de libertação do
povo e sua união (NKRUMAH, sd). Nestes primeiros passos verifica-se
que Moçambique herda uma economia atrasada de Portugal, visto que toda
exploração feita era exportada para Europa, como também o próprio Portugal não
tinha capacidades de colonizar efectivamente as suas colónias. Verifica-se que
não existe quadros capazes de administrar grandes empresas e a solução foi
olhar para os países do bloco ex-socialista, em particular a União soviética,
que também procurava sua estabilidade pós guerras (MENDES, 1994). Olha-se
também para os mineiros moçambicanos, na África do sul, como uma mão-de-obra
que poderia estar a contribuir no desenvolvimento do seu país, apesar do
governo de Ian Smith (presidente sul africano na altura) que apoiava a Renamo[3], partido moçambicano da oposição (CEA, 1977).
Devido a esta deficiente estrutura económica herdada por Portugal,
Moçambique, copiando outros países, opta pela política de portas abertas, neste
caso na economia de mercado (BRITO, 1993). Em direcção dos Estados Unidos
filia-se às instituições da Breeton Woods (FMI[4] e BM[5]). Esta filiação pretendia implementar uma
reabilitação económica do Pais, apesar do FMI ter receado, inicialmente, que
Moçambique fizesse parte devido a sua fraca capacidade económica (ABRAHANSSON
& NILSSON, 1998).
Opta-se pela liberalização e pela privatização das empresas em Moçambique
(HARRISON, 1999). Olha-se também como estratégia de solução da situação de
Moçambique as machambas estatais, familiares e as cooperativas (CASAL, 1996).
Este partido olhou também para as aldeias comunais, estas que despromoveram os
líderes tradicionais, suscitando conflitos entre as comunidades (GEFRAY, 1991;
CASAL, 1991). Mas teve como obstáculo a corrupção entre os dirigentes e devido
a este obstáculo, à imagem de demais países da região, a África ficou para
atrás do desenvolvimento devido a níveis altos (ACEMIGLU & ROBISSON, 2012).
Através das fontes citadas, bem como do presente artigo, pode se
perceber que a situação económica actual de Moçambique pode ser justificada
pela história da incapacidade financeira do colonialismo português, que já na
sua história explorou dos diversos recursos naturais para a integração na
economia-mundo. Mas a mesma situação actual do país encontra como obstáculo
contra o seu progresso a corrupção, bem como a dependência pelas instituições
internacionais que, através da doação, procuram por sua vez o lucro.
Desta forma, devido a dependência pelas instituições internacionais,
verifica-se a continuidade duma não independência financeira, esta que mina ou
bloqueia o futuro da independência económica de Moçambique.
Portanto, na linha da invenção dos direitos humanos, para Moçambique pode
se avançar como hipótese a ideia de que os direitos humanos só se tornarão
significativos quando ganharem conteúdo político. Não sendo os direitos de
humanos num estado de natureza, mas sim os direitos de humanos em sociedade.
Não sendo apenas direitos humanos em oposição aos direitos divinos, ou direitos
humanos em oposição aos direitos animais, não sendo ainda mais, os direitos de
humanos vis-à-vis uns aos outros, mas sim, direitos garantidos
no mundo político secular (mesmo que sejam chamados "sagrados"), e
que sejam direitos que requerem uma participação activa daqueles que os detêm.
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