quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Análise crítica da situação económica de Moçambique e o seu impacto no apedeutismo dos direitos humanos.

Introdução
Este artigo parte das análises feitas pelo economista e sociólogo João Mosca aquando da sua interpretação atinente à situação económica actual de Moçambique, para demonstrar que os direitos humanos em Moçambique são parte dependente da situação económica, esta que por sua vez depende também do regime e sistema político instalado. Nesta perspectiva, o centro das atenções é o não usufruto de benefícios relacionados com direitos económicos por parte dos moçambicanos, o que representa uma grave violação dos direitos humanos.

Estabilidade económica de Moçambique é fictícia segundo J. Mosca
A nível da propaganda política tem se ouvido frases como "Moçambique está a lutar contra a pobreza absoluta…, que os níveis de acesso a educação infantil estão a melhorar…, que a pobreza urbana tende a decrescer…, que as desigualdades sociais nas zonas urbanas tendem a alcançar níveis satisfatórios…, que o acesso a serviços básicos como de saúde, transporte, etc., estão sendo melhorados". Estas frases datam de há cerca de 10-15 anos e quando apresentadas fora de Moçambique há quem pense que o governo neste período está estável e a trabalhar em prol dos moçambicanos, isto é, da maioria necessitada de serviços básicos do Estado.

Para Mosca, a situação económica em Moçambique é crítica e o governo está assente sobre uma suposta estabilidade económica. Isto é, a situação em que o país vive é uma estabilidade fictícia, não diria nos últimos três anos, mas há bastantes anos, talvez há 10 anos. A fundamentação disto não é muito difícil, na medida em que existem vários indicadores de economia.

O nosso Orçamento do Estado é subsidiado em 50% por recursos externos doados ou da ajuda externa. E se formos a entrar no orçamento, veremos que em alguns casos dentro do orçamento público e sobretudo na área do investimento público, há onde mais de 80% do investimento é de recursos externos. Isso significa que grande parte da intervenção pública do Estado, no investimento, e também no suporte de funcionamento do Estado, vem de recursos que não são criados dentro do país, em Moçambique. Isso significa que o Estado está direccionado à capacidade de gerir os recursos e não de gerar estes recursos.

Outro aspecto importante é que a nossa economia tem um nível de riqueza muito baixo, e, portanto, tem a capacidade de poupança também muito baixa. Isto significa que a capacidade de investimento interno é muito limitada. Quer dizer que grande parte do investimento na economia, possivelmente cerca de 80%, em alguns sectores mais, é Investimento Directo Estrangeiro. E dos 20% que se consideram investimento moçambicano, eventualmente algum dele não está realizado. As pessoas só estão lá como sócios, não realizando capitais correspondentes aos 20% que o país dispõe como investimento nacional. Isso significa que o país, os agentes económicos, o sector privado, em Moçambique, é extremamente débil e sem capacidade de recursos para fazer investimentos avultados na economia.

Devido a fragilidade da nossa economia e verificando se cada vez mais a necessidade de manter a ajuda externa, será que se pode acreditar num Moçambique não independente economicamente, em que o seu regime mantém este princípio de dependência económica de forma intencional? Há quem diga que há condições para que Moçambique faça uma gestão financeira sustentável da ajuda externa e interna para reduzir em níveis altos a dependência internacional. E também se pode dizer que essa insustentabilidade gerada nestes anos pelo regime e sistema político deva ter funções latentes e manifestes, isto e, há uma mais-valia concentrada em minorias moçambicanas que se produz a cada inviabilização de recursos destinados a ajuda externa na população moçambicana.

A nossa economia vive acima das suas capacidades
Então, o que isso quer dizer? Para Mosca quer dizer que a nossa economia vive acima das suas capacidades. O nível de consumo que tem a nossa economia, apesar de baixo, o nível das actividades do nosso Estado, apesar de baixo, está muito além da riqueza criada em Moçambique. Logo, tudo aquilo que pensamos que existe, os tais equilíbrios da balança de pagamentos, o equilíbrio do Orçamento do Estado, alguns investimentos existentes, algum controlo de inflação, tudo isso é possível, não pela riqueza, nem pelo funcionamento e equilíbrios internos, do mercado interno, não são resultantes da produção nacional, são resultados de recursos externos.

Então pode-se admitir que os tais equilíbrios que se referem estatisticamente são equilíbrios fictícios, na medida em que não reflectem a verdade económica e social de Moçambique, mas sim reflectem recursos externos que estão a ser injectados.

Por isso, Mosca reafirma e não só ele o diz, vários economistas o dizem. A nossa economia é uma economia cujos chamados equilíbrios macroeconómicos são financiados por recursos externos. Mas também o nosso crescimento económico é muito financiado por estes recursos estrangeiros dos grandes projectos. A produtividade da economia não tem aumentando, o que significa que os aumentos da produção, o aumento da riqueza, o crescimento do PIB não são fundamentalmente uma consequência do aumento da produtividade ou de eficiência económica, mas, sim, é resultado de aumento de novas capacidade produtivas, portanto faz sentido essa afirmação.

Conclusões
Os direitos humanos são, na sua natureza, efectiváveis através dum sistema económico saudável e desenvolvido. Contudo, verifica-se que quanto maior desenvolvimento de um pais, maior é a concretização dos direitos humanos. Mas para o caso de Moçambique apenas se pode afirmar que quanto mais se eliminar definitivamente a corrupção na elite politica e ligada ao partido no poder, maior será a efectivação dos direitos humanos.

Quanto mais fraca for a nossa economia nacional, poucas capacidades têm o Estado em fornecer benefícios aos moçambicanos. E como sendo que a elite política ligada ao partido no poder é que dita o destino do país, verifica-se um bloqueio forte da quebra deste obstáculo. E com isso, quanto maior for a intervenção internacional naquilo que são as contas, finanças e investimentos de Moçambique, maior será a efectivação dos direitos humanos dependentes da economia do pais.


Nesta perspectiva académica de clamar pelos direitos humanos em Moçambique há que salientar que os direitos económicos, sociais e culturais, inseridos na convenção internacional sobre direitos económicos incluem o direito à educação, o direito a habitação condigna, à comida, estradas de qualidade e segurança, transporte publico seguro e confortável, à água, luz em via públicas e em suas próprias residências, a condições dignas de trabalho, em que nenhuma elite politica limite o nível de salário aos funcionários, e ao usufruto dos mais elevados padrões de prestação de cuidados de saúde, físicos e mentais. Por fim, Moçambique clama pela liberdade contra a elite egoísta ligada ao partido no poder, desde os Mr 5% e sua companhia que se esconde na politica moçambicana para acomodar interesses individuais em prol da sua elite.

Que direitos humanos defende a Paulina Chiziane e Mariana Martins no livro Ngoma Yethu?

Introdução
Com o objectivo de tecer reflexões sobre os direitos humanos defendidos por Paulina Chiziane[1] e Mariana Martins[2] na sua obra Ngoma Yethu, começa-se pela colocação da seguinte questão: Quais os direitos humanos que as autoras clamam na sua obra Ngoma Yethu? Tendo em conta que os direitos humanos são um conjunto de princípios, liberdades e garantias fundamentais inerentes a pessoa humana, irá-se, no presente artigo, reflectir de forma a identificar os direitos que necessitam de ser defendidos e promovidos.

Os direitos humanos
Ter cuidados médicos que colocam a dignidade humana em primeiro lugar…, ter transporte público que garanta segurança, comodidade e satisfação a pessoa transportada…, ser tratado com respeito a sua posição social, estratificação e qualquer forma de diferenciação…, ter habitação condigna…, são alguns dos direitos humanos que a nível mundial são garantidos por vários governos. Estes direitos são reconhecidos a todas pessoas, no sentido de respeitar a sua dignidade, de protegê-las contra quaisquer tipos de abusos e promover o seu desenvolvimento individual e colectivo.
Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Incluem o direito à vida à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação. O Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos actos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.
As actividades das organizações da sociedade civil em Moçambique já conduziram a inúmeros avanços no plano da actuação legislativa do Estado, seja no que tange a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos, como no que toca à aprovação de legislação interna. Pode-se distinguir a intervenção da classe jornalística para a aprovação da Lei de Imprensa, em 1991, e dos movimentos feministas para a aprovação da Lei sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher, aprovada em 2009, a intervenção da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos na questão da aprovação da Lei Contra o Tráfico de Pessoas, em 2008, e mais recentemente pode-se destacar a intervenção do Centro de Integridade Pública na aprovação da Lei da Probidade Pública, em 2012. Mesmo com estes avanços e outros não referidos, a questão prevalece, isto é, quais os direitos humanos que as autoras clamam na sua obra Ngoma Yethu?

Que direitos humanos clama o Ngoma Yethu?
O Ngoma Yethu traz histórias moçambicanas em que curandeiros moçambicanos são estereotipados como sendo tradicionais. E ai centra-se o cume da critica do Ngoma Yethu, pois que a caracterização em si de tradicional coloca os curandeiros numa posição inferiorizada. E sem concordar com a perspectiva de Paulina Chiziane quando refere que o termo tradicional refere, em alguns casos, a inferiorização, há que perceber que o termo refere a toda cerimónia ou costume praticado e relacionado a uma determinada cultura ou história de uma comunidade. O tradicional pode ser manifestado em diversas expressões artísticas que explicam o quotidiano de uma maneira enraizada na história de um povo.
Cada organização social suavemente complexa estabelecida como uma unidade de cultura própria é capaz de evidenciar uma tradição. Assim, é possível falar de tradição em povos marginalizados, em tribos escondidas com pouco contacto; no entanto, é possível referir-se à tradição em uma cultura hegemónica e de grande importância na sociedade maioritária. Desta forma, há uma necessidade do Ngoma Yethu rever a crítica que faz ao termo tradicional quando se refere a inferiorização do curandeirismo.
O curandeirismo por sua vez  é uma arte ou técnica na qual o praticante, o curandeiro ou curador,  tem o poder de curar, quer recorrendo a forças misteriosas de que pretensamente disporia, quer pela pretendida colaboração regular de deuses,  espíritos de luz, de mortos, de animais, etc., que lhe servirem ou ele dominam. Nesse sentido envolve todo um conjunto de "rezas" e práticas de sacerdotes, terapeutas,  benzedores, feiticeiros, xamãs, pajés, médiums, babalorixás, pais de santo, entre outros nomes como tais praticantes são designados a depender da região e cultura local.
Clama o Ngoma Yethu por um reconhecimento da capacidade dos curandeiros, estes que usam-se de raízes de diversas plantas para exercer a sua actividade de cura. E num mundo globalizado e elucidado, no que diz respeito aos direitos humanos, há uma necessidade do curandeiro exercer a sua cura, partilhando seus interesses com diversas culturas de forma a alcançar um bem comum, ou melhor, uma pratica daquilo que são direitos culturais dos povos.
Estes direitos culturais dos povos são referidos no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que destaca no seu relatório de 2004, intitulado "Liberdade Cultural num Mundo Diversificado", que a liberdade cultural é essencial para o desenvolvimento humano. E para Mark M. Brown, director do PNUD, se o mundo deseja alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milénio e erradicar de vez a pobreza deverá, antes de mais, vencer o desafio de construir sociedades inclusivas e diversificadas em termos culturais.
O Ngoma Yethu parte da seguinte inquietação: De que modo os diversos sistemas implantados pela dominação colonial criaram condição para a emergência de uma atitude de autentica auto-colonização mental por parte do africano que já independente continua, por si mesmo, a reproduzir os modelos de dominação e de esvazamento cultural outrora impostos. Desta inquietação há que avançar com a hipótese de que o modo pelo qual se clama no Ngoma Yethu está ligado àquilo que Weber chamou da forma do capitalismo e não espírito capitalista[3].
Em Weber, não pode confundir a forma do capitalismo e o espírito do capitalismo porque a forma sim, é ambição por lucro, é a ânsia por mais e mais dinheiro se afastando de todo gozo espontâneo da vida, fase em que o homem é dominado pela produção de dinheiro. Constitui, a forma do capitalismo a um sistema económico, cujo centro é representado pela empresa capitalista, trabalho organizado, gestão racional, etc. E esta forma capitalista demonstra-se o modo pelo qual diversos sistemas implantados pela dominação colonial criaram condição para a emergência de uma atitude de autêntica auto-colonização mental por parte do africano, através da exploração dos recursos naturais, exploração do homem para uma possível acumulação de capital.
Ainda na inquietação do Ngoma Yethu há que centrar as atenções no processo pelo qual o africano que já independente continua, por si mesmo, a reproduzir os modelos de dominação e de esvazamento cultural outrora impostos. Verifica-se ainda nesta inquietacao que existe um direito a ser extrapolado subjectivamente pelo africano, visto que continua a reproduzir o colonialismo de diversas formas, ignorando a sua própria cultura. Num caso destes, no meu pensamento, há uma necessidade deste africano ser inculcado, pelo outro, não só africano, que o conhecimento e transmitido de gerações em gerações de forma a resolver problemas dum certo tempo.
No tempo das colonizações esses conhecimentos foram inculcados como instrumentos para a prática da colonização e na actualidade precisa-se inculcar outros conhecimentos, através de diversos instrumentos, de forma a fazer perceber que os desafios dos dias actuais são os direitos humanos, em que deve-se reafirmar os direitos culturais dos povos, a sua identidade, os seus costumes, hábitos e crenças. E este processo demonstra que o conhecimento é produto da construção social da realidade dos homens, e estes homens lutam em torno do respeito pelos direitos humanos. Sendo necessário a concepção das historias de todos os povos, não como única historia, mas sim, uma historia com diversas facetas em que todas elas tem significado quando inserido num determinado contexto cultural.
Desta forma, pretende se desunir que todo o indivíduo tem direito a manter a sua identidade étnica, linguística e religiosa. E que a aplicação de políticas que reconheçam e protejam estas identidades é a única forma sustentável de conseguir o desenvolvimento em várias sociedades. Para Amartya Sem[4], a exclusão de grupos religiosos ou étnicos e a sua segregação social têm como resposta o activismo político. Em tais circunstâncias a política de identidade pode polarizar comunidades e nações inteiras, espalhar o ódio e ameaçar destruir a paz e o desenvolvimento.
Numa fase da história moçambicana já houve registo de perseguições a curandeiros e outros líderes africanos não ligados ao sistema político vigente, e essa constituiria hoje uma grave violação desse direito cultural. E implicaria numa inibição ao direito à liberdade cultural, esta que constitui num bem comum associado à democracia, pois todo ser humano deve ter o direito de ter oportunidade em escolher sua identidade cultural ou sua própria forma de vida que deseja (étnica, sexual, linguística, religiosa, etc.).
Numa outra inquietação do Ngoma Yethu está patente o curandeiro e o novo testamento. Nesta polaridade e numa realidade moçambicana as autoras referem que existe uma inferiorização deste curandeiro por parte de algumas religiões que a cada dia crescem não só na capital do país, como também inculcam nos seus crentes que o curandeiro, ou melhor, as religiões africanas, as que cultuam deuses ou espíritos africanos são na sua totalidade e essência diabólicas e que não se demonstram humanistas. Mas que sim, o cristianismo é a solução, a vida eterna.
De toda percepção sobre cristianismo e curanderismo importa ressaltar que reside por detrás uma base psicanalítica relacionada com poder. Esta base procura demonstrar que todo ser humano tem capacidades psíquicas capazes de determinar aquilo que é conveniente no âmbito cultural, social, politico, etc. E esta base sempre procurou ganhar um espaço para a sua reafirmação nas suas respectivas sociedades, bem como para sua expansão noutras. A titulo do exemplo do cristianismo que expandiu-se para diversas regiões do mundo com a intenção de provar que Jesus Cristo é o caminho certo. Como também das religiões africanas que procuram ganhar seu espaço ao reafirmar o poder que os seus deuses têm na resolução de problemas tipificamente africanos. Portanto, pode-se concluir que desta polaridade existe a questão de conquista do poder sobre todas religiões do mundo.
Existindo diversas religiões espalhadas pelo mundo e também prevalecendo os direitos humanos há que referenciar que as religiões na sua diversidade precisam reafirmar o seu espaço, ganhando sua popularidade sem por em questão a inferiorização das outras religiões. Pois que as populações gozam do direito a livre escolha, podendo estas cultuarem todas religiões de forma a avaliar qual delas esta cada vez mais próxima do seu problema social. Assim, o Ngoma Yethu clama por direitos culturais, que estão estritamente ligadas a religiões, onde algumas destas violam alguns princípios quando inferiorizam as outras, classificando-as de inferiores, incapazes, obscuras, diabólicas, etc. Nesta perspectiva as populações precisam de ganhar esta liberdade de escolher livremente suas religiões, e as religiões por sua precisam respeitar e reconhecer a existência das outras religiões, centrando-se nas suas crenças. Só assim, se alcançará um desenvolvimento humano que respeita a liberdade cultural dos povos.
Nestes tempos de globalização, corre um grande risco de se perder a liberdade cultural. Desta forma é de grande necessidade uma política multicultural, voltada a melhoria em investimentos, criando soluções includentes viáveis e que diminuam as desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em prol do tão sonhado desenvolvimento sustentável, melhorando assim a vida das populações mais pobres e marginalizadas. 
Desse modo seria de grande necessidade que todas as Nações se unissem realizando um diálogo universal de forma democrática e participativa juntando as forças em busca de gerar uma sociedade global socialmente mais justa, equitativa e economicamente equilibrada, respeitando acima de tudo os Direitos Humanos Universais.

Conclusão
Com a reflexão acima verifica-se que a diversidade de cultura além de ser uma herança preciosa ela não é estática, estando sempre em constante processo de evolução, não devendo existir conservadorismo, pois seria uma forma de privação da liberdade do sujeito. A cultura determina a sociedade (em seus diversos aspectos) e consequentemente a política e a economia, isso acontece por meio do comportamento, ideologia, tradições, costumes, nível de engajamento com outras culturas, aceitabilidade e uma gama infinita de variáveis inerentes de cada indivíduo numa sociedade.
Verifica-se a nível mundial que culturas demasiadamente fechadas e centradas em si mesmas, tendem a gerar uma sociedade insana e isolada sob todos os aspectos. Já, culturas abertas e "globalizadas" tendem a se dinamizar com maior rapidez e a se perpetuar, não como um organismo estático e imutável, mas uma sociedade em constante mutação.  Em alguns casos as religiões subalternizadas precisam de uma abertura de forma a permitir a sua globalização e reconhecimento da sua existência no mundo.
O curandeirismo demonstra-se uma prática cultural que se enquadra em todas suas respectivas sociedades. Nessas sociedades há uma necessidade de se defender e promover os seus direitos culturais, que estes hábitos e costumes relacionados com curandeirismo sejam cada vez mais valorizados pelas sociedades externas. A sua valorização, defesa dos seus direitos pode ser efectivada pela não inferiorização por parte de outras religiões, podendo cada Estado criar mecanismos políticos de incentivar a não subalternização, promovendo possíveis sanções a violação destes direitos culturais.



[1] Escritora manjakaziana com uma vasta lista de publicações conforme https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulina_Chiziane
[2] Curandeira moçambicana com varias historias e experiencias da personalidade africana e ligadas a curas.
[3] É uma ética de vida, uma orientação na qual o indivíduo é induzido um senso de obrigação moral para o cumprimento de suas obrigações terrenas.

[4] Economista indiano e prémio Nobel

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A Essência dos Direitos Humanos, Desigualdades e Cristianismo na Personalidade Africana - Caso da Identidade Moçambique

INTRODUÇÃO

O presente artigo centra suas atenções nos Direitos Humanos, Desigualdades e Cristianismo. Neste foco, pretende-se analisar os direitos humanos debruçando-se da conquista da liberdade africana, bem como das desigualdades sociais que são originárias da exclusão do outro. Assim, parte-se da seguinte questão: "Que analogias fazem-se dos direitos humanos nas desigualdades sociais e nas liberdades religiosas das sociedades?". As respostas a esta pergunta partirão de autores-chaves da personalidade africana escolhidos aleatoriamente, nomeadamente Chimamanda Adichie, Paulin J. Hountondji, Alicia Ferreira Gonçalves, Kwame Anthony Appiah e Paulina Chiziane, como também serão suportadas pelas palestras e outras referências bibliográficas. Por fim, são tecidas as considerações de forma sintética e resumida de todos autores e referências.

As analogias dos direitos humanos nas desigualdades e liberdades religiosas em Chimamanda Adichie

A começar por Poppovic (2004), os direitos humanos são uma "linguagem para produzir mudanças nas sociedades. Na história dos direitos humanos, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, entre outros, verifica-se uma luta de promoção e valorização da dignidade humana, procurando se demonstrar que as pessoas são iguais. Na perspectiva de Adichie (2009), essa luta, hoje, pelos Direitos Humanos, é fruto de uma longa história única, em que alguns povos foram marginalizados, colocados na história apenas como objecto ou instrumento de acumulo capital. No entanto, a luta pelos direitos humanos dos povos não pode ser vista como única historia, deve ser estudada e compreendida em todos e para todos povos.
Esta luta pelos direitos humanos demonstra que a história da humanidade não pode ser feita por uma única historia, isto é, há uma necessidade de se escrever sobre os povos tomando em consideração todas as suas fraquezas e potencialidades. A não consideração de uma face da história leva a um risco, o que Adichie (2009), considera perigo de uma única história. Para esta autora, a história única representa um perigo para o objecto sobre o qual se faz a história. E em toda história deve-se levantar indagações, dúvidas e incertezas, bem como é necessário que os povos não sejam impressionáveis e vulneráveis, podendo para tal, fazer a sua própria história, sendo principal sujeito da história, uma vez que tem capacidade para falar e escrever por si, sobre suas potencialidades e da sua cultura.
A importância do estudo dos direitos humanos hoje, associados a questões de desigualdades e liberdades religiosas pode permitir que a história dos direitos humanos de todos povos seja feita e conhecida em todas suas faces, permitindo conhecer as potencialidades e fraquezas dos povos, bem como possibilitar o seu intercâmbio visando a valorização da dignidade humana de todos povos e evitar exclusões sociais baseadas em fundamentos transmitidos por uma única história. Só evitando a única história é que os povos podem se auto-afirmar, valorizando as suas identidades, suas personalidades e ganhando liberdades religiosas, estas que pode permitir a exaltação da sua cultura, suas religiões, seus símbolos religiosos e suas capacidades sociais e psíquicas de inter-relacionamento com o outro, em beneficio de todos.

 As analogias dos direitos humanos nas desigualdades e liberdades religiosas em Paulin J. Hountondji

"As sociedades africanas devem elas próprias apropriar-se activa, lúcida e responsavelmente do conhecimento sobre elas capitalizado durante séculos" (Hountondji, 2008: 149). Ao iniciar com esta asserção importa ressaltar que os direitos humanos precisam ser apreendidos filosoficamente, pois que só assim, mudanças nos direitos humanos serão efectivadas de forma lúcida, responsável e indecentemente. Portanto, os africanos não estão alheios a esta filosofia dos direitos humanos, pois que "há uma chamada de atenção para que eles próprios sejam principais fautores do seu destino, bem como precisam resolver problemas africanos através de soluções africanas" (Ngoenha, 1998; 2000).
Os direitos humanos hoje precisam constituir um instrumento de emancipação, pois a sua apreensão não deve excluir a filosofia africana, esta que constitui um processo autónomo e auto confiante de produção de conhecimento e de capitalização que permite, aos africanos, responder as suas próprias questões e ir ao encontro das necessidades intelectuais e materiais das sociedades africanas. A não apreensão filosófica dos direitos humanos pode culminar com a exclusão de algumas culturas, culminando desta forma nas desigualdades sociais das sociedades africanas, em particular. Portanto, conhecer a filosofia dos direitos humanos hoje pode constituir uma ponte para uma igualdade e liberdade dos povos. Nesta perspectiva, os direitos humanos precisam ser compreendidos e enquadrados em todas culturas, através dos seus símbolos de comunicação, como também todas culturas precisam defender os seus símbolos.
Na perspectiva de Hountondji (2008), a religião como forma de religar-se a Deus, os direitos humanos, a liberdade, os símbolos culturais, não podem ser concebidos como uma mundivisão implícita partilhada insconscientemente por todos africanos. Os direitos humanos e todo ocidentalismo em África precisam ser criticados e opostos pela filosofia africana, esta que deve pautar pela autenticidade, reafirmando em primeiro lugar a sua cultura no mundo e não o mundo na sua cultura. Nesta perspectiva, os direitos humanos precisam dirigir-se ao seu publico alvo, os africanos, através de toda diversidade linguística que existe em África.

As analogias dos direitos humanos nas desigualdades e liberdades religiosas em Alice F. Gonçalves

Para Gonçalves (2010), a cultura diz respeito ao cultivo do espírito e da moral. Neste sentido os direitos humanos se tornam importantes se efectivarem mudanças tendendo a cultivar o espírito e a moral de todas sociedades através do respeito da diversidade que existe no cultivo do espírito a nível de todas sociedades hoje existentes. Na actualidade o não respeito pela cultura do outro, seus hábitos e costumes representa uma exclusão do ser que culmina na conotação de que este outro não tem cultura ou que não tem bons hábitos e costumes e desagua-se na desigualdade social entre as sociedades.
Fixo em Gonçalves (2010), os direitos humanos hoje devem ser vistos como um meio para a mudança em que haja reconhecimento de todas culturas, hábitos e costumes, pois que só assim as sociedades eliminarão a exclusão social e a respectiva desigualdade. Isto porque a cultura sustenta a coesão social, e os seus elementos são produtos de processos históricos complexos que envolvem a difusão e o empréstimo de traços culturais vizinhos. Neste processo o papel dos costumes na formação do indivíduo é de incorporar inconscientemente o comportamento socialmente validado pelas instituições de cada cultura.
Estando nesta actualidade marcada pela difusão do cristianismo e inferiorização de sociedades, africanas em particular, importa ressaltar que a cultura é uma construção social e constitui a base de identidade de um povo e que cada povo precisa encontrar sua liberdade para cultuar a sua própria cultura. E neste tipo processo em que recomenda-se a indigenização da modernidade, em que a base é a valorização das particularidades nacionais, valores e tradições em contraposição ao progresso da técnica e da ciência capitalista.

As analogias dos direitos humanos nas desigualdades e liberdades religiosas em Kwame Appiah

Partido de Santos (2013), a actualidade é marcada pela modernidade, que não deixa de lado a globalização vista como localismo globalizado duma dada cultura, caso do capitalismo. Os direitos humanos por seu lado não estão alheios a esta questão de modernidade e globalização.
Imbuído na perspectiva de Appiah (sd), embora seja produto da modernidade, bem como da globalização há uma necessidade de compreender os direitos humanos como um assunto particular das sociedades, isto e, precisa-se partilhar os interesses entre sociedades (africana e ocidental), tornando-se assim modernas, pois que modernidade constitui a formação intelectual e social característica do mundo industrializado. E com a partilha de interesses entre as sociedades poder-se-á reconhecer a autenticidade, capacidade, poder de cada cultura, seu simbolismo, crenças, etc., uma vez que toda construção social da realidade baseia-se na fé dos autores sociais, as comunidades que acreditam nos seus deuses, hábitos e costumes.

As analogias dos direitos humanos nas desigualdades e liberdades religiosas em Paulina Chiziane

Numa actualidade particular moçambicana há uma necessidade de encarar os direitos humanos como instrumentos que precisam reconhecer a identidade, cultura, hábitos, essência e autenticidade desta sociedade (palestra de Chiziane, 23/09/16). Porque para Chiziane e Martins (2015), na época moderna verifica-se um ocidente que efectua estudos em África, explora seus recursos e os transforma, voltando assim a marginalizar os hábitos e costumes destes povos.
O diabolismo atribuído a religiões moçambicanas, em particular, deve ser visto como produto dum ocidente que sempre pretendeu maldizer do poder das religiões africanas, propalando-as como sendo negras, insignificantes e sem essência. Nesta actualidade, segundo Ngoenha (1998), Chiziane & Martins (2015); Appiah (sd), a exortação é duma personalidade africana em que os problemas africanos devam ser resolvidos através de soluções africanas, valorizando-se cada vez mais a cultura africana, seus hábitos e costumes, sem com isso deixar de cooperar com outras sociedades, mas estando atento e fazendo a sua própria história.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discorridos analogias dos direitos humanos nas desigualdades sociais e nas liberdades religiosas das sociedades pode-se concluir que os povos, sociedades, nações precisam fazer a sua própria história, não deixando margem para que o outro escreva sobre si. Para tal, é necessário que sociedades africanas devam elas próprias apropriar-se activa, lúcida e responsavelmente do conhecimento sobre elas capitalizado e marginalizado durante séculos.
Ao falar de cultura importa ressaltar que consiste no cultivo de espírito humano, personalidade do ser, valores morais e sustenta uma coesão social. E sendo assim, todas sociedades (africana, europeia, asiática, americana, etc.) têm cultura e cabe a cada uma o respeito da cultura do outro. Na modernidade há uma necessidade de partilha de interesses entre as sociedades, podendo as religiões africanas, europeias, americanas, etc., cooperarem de forma a dignificar cada vez mais o Homem.
A modernidade ocidental marcada pela ética protestante e espírito do capitalismo, onde a essência é negar o outro ser, capitalizando a natureza do outro precisa ser combatido através da reafirmação das personalidades, onde o africano precisa de uma autenticidade, autonomia, independência na construção do seu conhecimento, reafirmação da sua cultura e partilha dos seus recursos. Esse é um ponto de partida para lutar sobre os direitos culturais dos africanos marginalizados durante séculos. Filosoficamente chama-se atenção para uma sociedade actual mais atenta, responsável e vigilante, principalmente quando o ocidente traz politicas de cooperação.
Em Moçambique, as liberdades religiosas precisam ser alcançadas através da luta incessante para uma efectivação total dos direitos humanos, estes que foram violados desde a conversão efectuada através de políticas coloniais que usaram-se da religião ocidental para marginalizar as suas crenças. Nesta perspectiva, precisa mais uma vez de se fazer duras criticas para o presente cristianismo que prevalece em Moçambique e que continua considerando toda religião africana de diabólica.

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ADICHIE, Chimamanda. (2009). Os Perigos de uma única história. In: https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/transcript?language=pt Acessado a 19 de Setembro de 2016.
APPIAH, Kwame A. (sd). Velhos deuses, novos mundos. In: Na Casa de Meu Pai: A África na filosofia da cultura. Contraponto.
CHIZIANE, Paulina & MARTINS, Mariana. (2015). Ngoma Yethu: O Curandeiro e o Novo Testamento. 2ª Edição, Maputo: Matiko.
GONÇALVES, Alice F. (2010). Sobre o conceito de cultura na antropologia. Cadernos de estudos sociais – Recife, v. 25, nr 1, p. 61-74.
HOUNTOUNDJI, Paulin J. (2008). Conhecimentos de África, conhecimento de Africanos: Duas perspectivas sobre os Estudos Africanos 149-160. In: https://rccs.revues.org/699 Acessado a 22 de Setembro de 2016.
NGOENHA, Severino E. (1998). Filosofia Africana: Das Independências às Liberdades. Maputo: Paulistas.
__________ (2000). Estatuto e Axiologia da Educação em Moçambique: O Paradigmático Questionamento da Missão Suíça. 1ª Edição, Maputo: Livraria Universitária.
POPPOVIC, Pedro P. (2004). Direitos Humanos em Movumento: Um mapa para o futuro de um movumento. São Paulo: SUR.

SANTOS, Boaventura de S. (2013). Se Deus fosse um Activista dos Direitos Humanos. Coimbra: Almedina.

A História de Moçambique numa Perspectiva dos Direitos Humanos, Eesenvolvimento Económico e Boa Governação

Com o presente artigo pretende descrever a história de Moçambique numa perspectiva dos direitos humanos, desenvolvimento económico e boa governação, partindo duma análise sobre o processo de integração de Moçambique na Economia Mundo (através da escravatura, cultivo do algodão e cultivo de arroz). Analisa-se o papel desempenhado pela cultura de algodão na economia-mundo, e o papel desempenhado pelo trabalho migratório na economia moçambicana no período de 1930-1970 e pós independência. E já na recta final analisa-se a trajectória do desenvolvimento de Moçambique nos períodos de 1930 – 1974 e 1975-1987. Por fim, são tecidas algumas considerações finais, sendo que a metodologia aplicada centra-se na revisão bibliográfica.

Moçambique foi integrado na economia mundo muito antes de ser "Moçambique". Isto porque este processo de integração data desde os séculos XVI-XVII, período em que já se verificava a penetração árabe na costa norte de Moçambique. Estes árabes desenvolviam a escravatura nas margens sul do vale e da alta Zambézia para diversos mercados oceanoindicos (MEDEIROS, 1988). A integração de Moçambique na economia mundo inicia com as piores formas de violação dos direito humanos, as primeiras formas de acumulação de capital, as trocas comerciais desiguais (SANTOS, 2013; MEDEIROS, 1998). Estas primeiras formas de integração demonstraram a existência de níveis de "ignorância, negligência ou o menosprezo dos direitos do homem, estes que são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental" (HUNT, 2009: 17).

Por outro lado, Moçambique é integrado na economia mundo através do cultivo do algodão por volta de 1938. Nesta época "o governo português, através de legislação algodoeira, passou a controlar, a partir de Lisboa, todos os aspectos da produção e comercialização do algodão nas colónias", criando a Junta de Exportação de Algodão Colonial (JEAC), com sede em Lisboa (FORTUNA, 1993: 45). Através deste organismo, o governo pretendia estabelecer um maior controlo sobre as companhias concessionárias em Moçambique. No entanto, o sistema de produção camponesa mantinha-se, e as companhias obrigaram-se a desenvolver, mais activamente, a cultura do algodão em concessões alargadas. Com esta integração pode-se verificar que Moçambique impulsionou significativamente o desenvolvimento de Portugal, e foi no "período de 1936-1939 que a indústria têxtil portuguesa recebeu um grande estímulo para o seu desenvolvimento através do acesso ao mercado têxtil em Espanha, cujas fábricas diminuíram a produção durante a prolongada guerra civil" que atingiu esse país europeu (HEDGES, 1993:89).

O cultivo de arroz entra também como elemento de integração de Moçambique na economia mundo. Nesta integração, Portugal, para promover a auto-suficiência em arroz decide introduzir a produção obrigat6ria do arroz. E círculos orizicolas foram constituídos e os europeus responsáveis pela compra, descasque e comercialização, passaram a ser supervisionados pela divisão do fomento orizícola, criada em 1942, e que tinha poderes semelhantes aos da JEAC[1]. A cultura forçada de arroz baseava-se, desde o seu começo, no modelo da cultura do algodão, baseava-se também na pressão exercida pelos administradores, cipaios e capatazes. Os concessionários deviam distribuir as sementes, fertilizantes e sacos, tendo cada homem que cultivar um hectare e cada mulher meio-hectare. O "arroz devia ser vendido pelo camponês apenas ao concessionário, a um preço baixo, fixado pelo governo" (HEDGES, 1993: 93).

Esta integração de Moçambique na economia mundo através de culturas forcadas (algodão e arroz) continuou ignorando os direitos humanos dos camponeses, uma vez que "o rendimento por hectare não era compensado de acordo com a produção" (HEDGES, 1993: 88). Esta violação dos direitos humanos não termina com culturas forcadas, mas continuou através doutras formas, caso da exploração do homem como carregador de machila, na construção de estradas, caminhos de ferro, e até na própria assimilação (CHILUNDO, 2001; NGOENHA, 2000).

Portugal, devido a sua incapacidade financeira de ocupar efectivamente Moçambique opta, nos finais do século XIX, por arrendar o centro e norte de Moçambique a companhias majestáticas e arrendatárias, reservando o sul do paralelo 22 (províncias de Inhambane, Gaza e Maputo) para fornecer mão-de-obra às minas da África do Sul, integrando desta forma Moçambique na economia mundo. Este trabalho migratório serviu mais os interesses dos regimes coloniais e do apartheid. Esta exportação da mão-de-obra constituiu num marco mais alto da exploração do trabalhador moçambicano, como também o marco da distorção e do subdesenvolvimento da economia nacional, este trabalho que constituiu ainda mais um problema central do período de transição para o socialismo (CEA, 1998).

De forma geral, a integração de Moçambique na economia mundo através da escravatura, culturas forcadas e o trabalho mineiro justifica o atraso de Moçambique, em que a sua governação esteve sempre assente num Portugal incapaz, que olhava para o capital internacional (alemão, inglês, francês, etc.) como solução das necessidades de Moçambique. O desenvolvimento económico de Moçambique pode ser percebido actualmente como sendo resultado duma sequência de factores interligados, que desagua nas instituições da Breeton Woods (FMI e BM), e que claramente subjuga a economia nacional numa dependência financeira total, comprometendo o futuro da nação. A integração de Moçambique na economia-mundo teve, na sua história, o papel desempenhado pela cultura de algodão.


Ao falar da cultura de algodão torna pertinente destacar que a Inglaterra, nos anos 1760, foi das primeiros países europeus a produzir em grande escala o algodão e desenvolvendo muito a industria têxtil, sem ter que falar da Índia dos anos 1640. E por ter se centrado muito mais na produção do algodão, muitos outros países (Alemanha, França, etc.) partiram para outras áreas, tais como metalúrgica, química, automóvel, etc. Portanto esta centralidade no algodão criou um colapso da indústria inglesa e manteve outros países europeus na dianteira.
Moçambique se iguala a este exemplo da Inglaterra quando Portugal introduz Moçambique no mercado internacional através da cultura da indústria têxtil, isso no momento em que a indústria têxtil já havia perdido seu valor, razão pela qual, justifica-se por um lado, o atraso de Moçambique. A cultura de algodão, no geral, foi responsável em várias partes do globo pela sujeição de numerosos contingentes de mão-de-obra aos ditames da produção mercantil (FORTUNA, 1993). Esta sujeição pode ser vista como uma forma de uso da forca de trabalho para acumulação capitalista do lucro, visto que "do gado se fax sebo, e das pessoas o dinheiro" (WEBER, 2004: 45).
O cultivo de algodão em Moçambique foi um "arranjo económicos e políticos dominantes de Portugal e que só a partir do século XIX começa a despertar algum interesse internacional, sujeitando cada vez mais Moçambique a dominação colonial portuguesa" (FORTUNA, 1993: 170). Portanto, a cultura de algodão não foi a única que teve grandes impactos na economia moçambicana, pois que verificou-se também, em grandes escalas a exploração do trabalho migratório, que teve, por sua vez, um enorme papel importante na economia da África do sul e de Portugal.


O trabalho migratório teve um enorme papel para Portugal, África do sul e em última instancia, algumas desvantagens para Moçambique. Portugal ganhava nos anos 1945, através do sistema de pagamento diferido os subsídios que contribuíram significativamente para o balanço positivo de divisas da economia colonial, o que levou a que o governo colonial encorajasse a migração temporária. Ganhava também barras de ouro, estes que poderiam substituir os subsídios pagos pelas minas. Portugal, pretendeu, contudo, sempre "regulamentar as correntes migratórias para melhor cobrar impostos e assegurar o repatriamento, investindo consideráveis fundos na repressão da emigração clandestina, pelo menos no sul do país", através da polícia secreta africana, montada para o efeito (HEDGES, 1993: 157).
A mão-de-obra mineira moçambicana contribuiu enormemente na economia sul-africana. Só para elucidar, "o número de migrantes moçambicanos nas minas da África do Sul aumentou de cerca de 78.000, em 1945, para cerca de 96.000, e em 1960, para mais de 200.000, sendo que a Rodésia do sul alcançou em 1956 cerca de 117.000 trabalhadores mineiros" (HEDGES, 1993: 158; CEA, 1998).
O trabalho migratório teve enormes desvantagens, em última instancia, para Moçambique. Um dos aspectos foi a "ideologia difundida pelos recrutadores de que trabalhar nas minas significaria virilidade, símbolo de poder, etc", e esta ideologia reproduziu cada vez mais o sistema de exportação de mão-de-obra, o que culminou que cerca de três gerações passassem grande parte desenvolvendo África do sul, do que Moçambique (CEA, 1998: 5).
Com a Frelimo[2], este trabalho migratório tende a ser eliminado, visando o regresso de moçambicanos para trabalhar em sectores de indústrias, agricultura, etc. Este regresso de mineiros teve um papel importante, pois que alguns, embora dificuldades de língua, conseguiram-se enquadrar como electricistas, condutores de máquinas nos caminhos de ferros de Moçambique, mecânicos, etc. Com os trabalhadores moçambicanos nas minas da África do Sul, Portugal ganha divisas, barras de ouro, etc., desta forma intensifica-se o nacionalismo económico português, verificando-se o significativo papel do mineiro moçambicano na trajectória do desenvolvimento de Moçambique.

Até cerca de 1930, as relações económicas entre Portugal e Moçambique eram reduzidas, sendo os investimentos portugueses muito pouco significativos. Mas devido ao golpe de Estado militar de 1926, "o novo regime estabelecido em Portugal procurava mudar este cenário. Os anos subsequentes até 1937 foram da implementação do nacionalismo económico português" (HEDGES, 1993: 39). Algumas medidas implementadas foram as seguintes:
ü  Redução dos custos através do abandono de actividades dispendiosas, de despedimento de pessoal (incluindo europeus), e do encerramento de algumas fábricas menos rentáveis (caso da companhia Boror) que abandonou algumas plantações de sisal, suas machambas experimentais e fechou a sua salina e algumas lojas rurais. Entre 1931 e 1935, a Sena Sugar Estates encerrou as suas velhas plantações e fábricas em Caia e Mopeia, e reduziu um pouco a produção nas fábricas de Marromeu e Luabo;
ü  Produtos como o coco passaram a ser comprados aos camponeses a preços mais baixos;
ü  As empresas recorreram ainda a reduções salariais;
ü  Algumas plantações introduziram novos métodos para aumentar a produtividade, como, por exemplo, a utilização de animais de tracção em vez de trabalho braçal e de estrume como fertilizante.
As medidas acima mencionadas permitiram que o volume global das exportações de Moçambique se mantivesse, chegando mesmo a registar se subidas ligeiras, durante a crise mundial. No entanto, o valor das exportações de 1929 desceu para metade em 1933. Em 1936, e depois de uma certa recuperação, o rendimento foi apenas de 75% relativamente a 1929, apesar de ser um ano recorde de exportações em termos do volume. Para além das medidas acima, Portugal concentra-se cada vez mais no trabalho migratório, pretendendo limitar a perda de divisas, renegociando, em 1934, a Convenção de 1928 com a África do Sul. Como também a comunidade colona não ficou completamente isenta destas medidas, em que o número de brancos desempregados também aumentou entre 1930 e 1932 (HEDGES, 1993).

No tocante a educação, o governo colonial procedeu a modificações no sistema educacional de Moçambique. Concretamente passou a controlar mais directamente o ensino destinado à população negra. O objectivo do governo colonial era criar um sistema capaz de habilitar o indígena para o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial moçambicana. Por outro lado, o ensino para os brancos, que ocupavam os melhores postos de trabalho, tinha que oferecer uma formação mais completa, que os indígenas não precisavam. Foi por esta razão, que os funcionários da educação, perante o aumento da população branca em Moçambique, propunham uma separação mais acentuada entre o ensino das crianças indígenas e o das civilizadas (HEDGES, 1993; NGOENHA, 2000). Desta forma, a educação em Moçambique, desde o período colonial até a actualidade, não satisfaz os moçambicanos nem resolve os problemas dos moçambicanos, pois que "os objectivos da educação eram políticos" (NGOENHA, 2000: 38).

Durante o período de 1945 a 1960 assiste-se a uma expansão relativamente rápida e determinadas industrias viradas para o mercado local, devido ao facto de que a comunidade colona em expansão não podia ser totalmente absorvida pela agricultura, e que as industrias viradas para o mercado interno que surgiram nunca foram directamente competitivas com os principais ramos de exportação de Portugal. Neste processo a lei do condicionamento industrial  pretendia eliminar a concorrência interna das empresas já existentes em cada ramo, mas ao mesmo tempo, contribuir para a estagnação tecnológica, a criação de monopólios e a fraca qualidade dos bens e serviços comercializados (HEDGES, 1993).
A introdução de planos de fomento visava a elevação do nível de vida dos portugueses, assegurar -lhes novas e melhores oportunidades de emprego, modernizar a técnica e o equipamento na agricultura e nas indústrias. Estes planos de forma geral pretendiam subordinar os interesses das colónias aos da metrópole. Nesses planos, verificou-se no período de 1953-1958, a construção de infra-estruturas económicas e a promoção da imigração branca. No período de 1965 a 1967 verificou-se o apoio especial a sectores de exportação. No "período de 1968 a 1973 verificou-se o desenvolvimento industrial e no período de 1974 verifica-se o processo de industrialização", que por razões pan-africanas não foi concretizado na sua totalidade pelo governo português (PITCHER, 2002: 143). Desta forma, verifica-se que no momento mais alto da presença portuguesa em Moçambique, os moçambicanos toma o poder e começam a trilhar sobre os seus próprios ideias de libertação do povo moçambicano, já no pós-independência.

Depois de 1975, Moçambique começa a caminhar pelos seus próprios pés com o comando da Frelimo e sobre os ideais do nacionalismo africano de libertação do povo e sua união (NKRUMAH, sd). Nestes primeiros passos verifica-se que Moçambique herda uma economia atrasada de Portugal, visto que toda exploração feita era exportada para Europa, como também o próprio Portugal não tinha capacidades de colonizar efectivamente as suas colónias. Verifica-se que não existe quadros capazes de administrar grandes empresas e a solução foi olhar para os países do bloco ex-socialista, em particular a União soviética, que também procurava sua estabilidade pós guerras (MENDES, 1994). Olha-se também para os mineiros moçambicanos, na África do sul, como uma mão-de-obra que poderia estar a contribuir no desenvolvimento do seu país, apesar do governo de Ian Smith (presidente sul africano na altura) que apoiava a Renamo[3], partido moçambicano da oposição (CEA, 1977).
Devido a esta deficiente estrutura económica herdada por Portugal, Moçambique, copiando outros países, opta pela política de portas abertas, neste caso na economia de mercado (BRITO, 1993). Em direcção dos Estados Unidos filia-se às instituições da Breeton Woods (FMI[4] e BM[5]). Esta filiação pretendia implementar uma reabilitação económica do Pais, apesar do FMI ter receado, inicialmente, que Moçambique fizesse parte devido a sua fraca capacidade económica (ABRAHANSSON & NILSSON, 1998).
Opta-se pela liberalização e pela privatização das empresas em Moçambique (HARRISON, 1999). Olha-se também como estratégia de solução da situação de Moçambique as machambas estatais, familiares e as cooperativas (CASAL, 1996). Este partido olhou também para as aldeias comunais, estas que despromoveram os líderes tradicionais, suscitando conflitos entre as comunidades (GEFRAY, 1991; CASAL, 1991). Mas teve como obstáculo a corrupção entre os dirigentes e devido a este obstáculo, à imagem de demais países da região, a África ficou para atrás do desenvolvimento devido a níveis altos (ACEMIGLU & ROBISSON, 2012).



 Através das fontes citadas, bem como do presente artigo, pode se perceber que a situação económica actual de Moçambique pode ser justificada pela história da incapacidade financeira do colonialismo português, que já na sua história explorou dos diversos recursos naturais para a integração na economia-mundo. Mas a mesma situação actual do país encontra como obstáculo contra o seu progresso a corrupção, bem como a dependência pelas instituições internacionais que, através da doação, procuram por sua vez o lucro.
Desta forma, devido a dependência pelas instituições internacionais, verifica-se a continuidade duma não independência financeira, esta que mina ou bloqueia o futuro da independência económica de Moçambique.
Portanto, na linha da invenção dos direitos humanos, para Moçambique pode se avançar como hipótese a ideia de que os direitos humanos só se tornarão significativos quando ganharem conteúdo político. Não sendo os direitos de humanos num estado de natureza, mas sim os direitos de humanos em sociedade. Não sendo apenas direitos humanos em oposição aos direitos divinos, ou direitos humanos em oposição aos direitos animais, não sendo ainda mais, os direitos de humanos vis-à-vis uns aos outros, mas sim, direitos garantidos no mundo político secular (mesmo que sejam chamados "sagrados"), e que sejam direitos que requerem uma participação activa daqueles que os detêm.

  1. ABRAHANSSON, H. & NILSSON, A. (1995). Ordem mundial futura e governação nacional em Moçambique: Empowerment e espaço de manobra. Padrigu, CEEI-ISRI.
  2. _________. (1998). Moçambique em Transição: um estudo da história de desenvolvimento durante o período de 1974-1992. Padrigu, CEEI-ISRI.
  3. ACEMIGLU, Daron & ROBISSON, James. (2012). Why Nations Fails: The origins of power prosperity and poverty. Profile Books.
  4. BRITO, Luis. (1993). Estado e Democracia Multipartidária em MoçambiqueIn: Estudos moçambicanos, nr 13.
  5. CHILUNDO, A. (2001). Os camponeses e os Caminhos de Ferro e Estradas em Nampula (1900-1961). Maputo: Promédia.
  6. CASAL, A. Y. (1991). Discurso socialista e camponeses africanos: Legitimação político-ideológica da socialização rural em Moçambique (FRELIMO, 1965-1984). In: Revista Internacional de Estudos Africanos.
  7. _________. (1996). Antropologia e Desenvolvimento: Aldeias comunais de Moçambique. Lisboa: Instituto de Investigação Cientifica Tropical, 1996.
  8. CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS – CEA. (1977). O Mineiro Moçambicano: Um estudo sobre a exportação da mão-de-obra. Universidade Eduardo Mondlane, Maputo.
  9. FORTUNA, Carlos. (1993). O fio da meada: o algodão de Moçambique e a economia-mundo (1860-1960). Porto: Afrontamento.
  10. GEFRAY, Christian. A causa das armas: antropologia da guerra contemporânea em Moçambique. Porto: Afrontamento. 
  1. HANLON, Joseph. (1997). Peace without profit – How the IMF Blocks Re-Building in Mozambique. Maputo: Imprensa Universitária.
  2. HARRISON, Graham. (1999). Corruption as Bourday politics: The state, democratization and Mozambique's unstable liberalizationIn: Third word quaterlay, vol 20, nr 3, p 537-550.
  3. HEDGES, David (Coord.). 1993. História de Moçambique: Moçambique No Auge do Colonialismo, 1930 - 1961. Maputo: Departamento de Historia - Universidade Eduardo Mondlane.
  4. HUNT, L. (2009). A invenção dos direitos humanos. São Paulo: companhia das letras.
  5. MEDEIROS, Eduardo. (1988). As etapas da escravatura no norte de Moçambique. Arquivo Histórico de Moçambique.
  6. MENDES, J. (1994). A nossa situação, o nosso futuro e o multipartidarismo. Maputo
  7. NEWIT, M. (1995). A History oh Mozambique, London: Hurts & Company.
  8. NKRUMAH, K. África deve unir-se. Serie 2, nr 1, 3º Mundo e Revolução, Lisboa: Ulmero.
  9. NGOENHA, S. E. (2000). Estatuto e axiologia da educação em Moçambique: o paradigmático questionamento da missão suíça. Maputo: Livraria Universitária.
  10. PITCHER, M. ANNE. (2002).Transforming Mozambique: The politics of privatization, 1975-2000. New York: Cambridge.
  11. SANTOS, Boaventura de Sousa. Se Deus Fosse um Activista dos Direitos Humanos. Coimbra: Almedina, 2013.
  12. WEBER, M. A ética protestante e o "espírito" do capitalismo. São Paulo: Letras.
  13. WUYTS, M. M. (1978). Camponeses e Economia Rural em Moçambique. UEM-CEA.



[1] Junta de Exportação de Algodão
[2] Frente de Libertação de Moçambique
[3] Resistência Nacional dos Moçambicanos
[4] Fundo Monetário Internacional
[5] Banco Mundial

Breves reflexões sobre os direitos das crianças em Moçambique

1.       Introdução São tecidas breves reflexões no presente artigo com o objetivo de contextualizar, através de factos que se evidenciam...