quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Diversificada Faceta da corrupção em Moçambique e sua Violação do Direito a Informação

INTRODUÇÃO

Este artigo surge no momento em que Moçambique atravessa por uma fase marcada por uma instabilidade política, crise financeira e de uma gestão de fundos públicos não satisfatória, por parte do governo moçambicano, bem como da elite política. Facto que culminou com a descoberta de dívidas ocultas pelo governo cessante, chefiado pelo ex presidente Armando Emílio Guebuza, que perdurou 10 anos (2005-2015). Cenário de total desilusão por parte da população moçambicana e internacional para com este governo e elites políticas moçambicanas, concretamente na gestão de recursos públicos, o que trouxe insatisfação.
Um dos factos crucial de insatisfação perpetrado pelo governo e suas elites politicas, é que embora Moçambique seja um país cumpridor da Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (ITIE) desde 2009, ainda não demonstrou satisfação no que diz respeito a publicação da informação sobre a propriedade beneficiária (Beneficial Ownership) das entidades que detêm licenças de exploração de recursos minerais, ou seja, os dados dos indivíduos e/ou dos verdadeiros proprietários de empresas que detêm as licenças de exploração de recursos minerais em muitos países, incluindo Moçambique (CIP, 2016).
Para Castel-Branco (2008), a transparência e o detalhe da informação são cruciais para que a sociedade possa dar o seu contributo na gestão correcta dos recursos não renováveis em Moçambique. È ainda crucial para que a sociedade faça análises económicas e sociais e realize acções de advocacia e de governação para garantir a gestão correcta destes recursos, de modo que o povo faça o exercício pleno do dever e direito, para poder gerir os seus recursos, o que è possível com uma base sólida de informação.
Portanto, esta falta de transparência na gestão de recursos públicos por parte dos servidores públicos leva a crer que em Moçambique existe uma cultura de corrupção e que a cidadania moçambicana não se sente agredida pelo fenómeno da corrupção na esfera pública. Ora, lembrando Samora Machel, todos governantes deviam colocar em primeiro lugar os interesses públicos e por último os individuais. E quanto aos actuais governantes é facto que suscita dúvidas quanto a suas riquezas, desviando subjectivamente os direitos dos moçambicanos.

A cidadania moçambicana não se sente agredida pelo fenómeno da corrupção na esfera pública

No sistema politico vigente, desde os serviços públicos até às elites politicas, estão criadas condições para que esta cidadania se conforme com este fenómeno. Verificando-se, desde o Moçambique independente, um enraizamento da cultura da corrupção na sociedade moçambicana.
Lembrando o primeiro estadista moçambicano, Samora Machel, em Moçambique verificar-se-iam elites políticas que erguer-se-iam sobre a população, através de práticas corruptivas efectivadas desde o lambebotismo, parasitismo, espírito de deixa andar, etc. Na actualidade Moçambique engole as consequências destas praticas já previstas. E para Oscar Monteiro[1], existem dirigentes que tendem a escolher pessoas menos capacitadas, para não ameaçarem e ofuscar o seu poder. Considerando ser uma nova doença o facto de alguns dirigentes se aproveitarem da sua posição no Estado para alimentar negócios particulares. E que não permite que o Estado se endireite e que já não é uma doença escondida, está na cara dos moçambicanos e do mundo. Portanto, através deste pronunciamento de pode se verificar que os índices de corrupção no sistema estão aculturados e tendem a conformar a cidadania, visto que o mesmo sistema é enfraquecido quando se trata de combate a este mal.
Literalmente, este fenómeno de corrupção constitui-se num moderno tipo de crime e segundo Huntington (1996); Lewis (2002) e outros, a irrupção de recentes e inquietantes fenómenos criminosos, com novos tipos de motivação e de modelo organizativo, vieram surpreender dramaticamente, de forma mais ou menos inesperados, os Estados contemporâneos e os seus cidadãos. Na abertura do ano judicial de 2002, o Procurador-Geral da República de Portugal J. A. S. Couto, relacionava a corrupção com crimes insidioso, pois que "representa um abuso da confiança que a comunidade depositou nos seus agentes, em virtude exactamente do status social de que beneficiam" (Bravo, 2010: 69). Com este posicionamento pode se verificar que os moçambicanos confiaram em governantes corruptos, visto que a crise de boa governação nestes dirigentes suscita diversas reacções de desconfiança por parte da sociedade.
Nesta óptica, "a colectividade acaba por perder todo o apreço pelas instituições públicas e pelos agentes económicos. Cria-se um processo de desagregação moral, gerador da maior desorientação nos cidadãos, e da maior desorganização na convivência social" (Bravo, 2010: 69). Esta desagregação moral e desorientação nos cidadãos demonstram-se num indicador de que o sistema governativo em Moçambique tende a enraizar a cultura da corrupção na sociedade moçambicana.
Na perspectiva de Bravo (2010), os agentes políticos, governantes e ou elites politicas dispõe aqui de amplas possibilidades instrumentais, que vão de carácter variado e extenso das suas actividades profissionais, a utilização de intermediários, passando por um trabalho paciente destinado a criar aparência de legalidade dos comportamentos. Desta forma, a lógica do fenómeno corrupção encontra-se na confluência e intercessão dos processos em que os senhores das instituições que cometem crimes, os white-collars, se encontram com os senhores do crime organizado, em que os criminosos, nossos amigos, estabelecem amizades com os outros criminosos, podendo estes estar a transvestir-se de delinquentes em senhores dos interesses económicos empresariais, politico governativo, em suma, em nossos senhores.

Factores que contribuem para o enraizamento da corrupção em Moçambique

Os factores que enraízam os crimes de corrupção em Moçambique estão ligados directa ou indirectamente a:
ü  Falta de consciência de cidadania. Os moçambicanos demonstram-se com níveis altos de baixa consciência sobre a exaustiva cidadania, concretamente na exigência dos direitos e na procura de serviços públicos. Esta falta de consciência cria uma tolerância popular da corrupção e receio de retaliação, contribuindo para que exista uma cultura generalizada de não reclamar em relação à corrupção.

ü  A não existência dum sistema rotativo de partidos políticos na direcção do Pais. O que condicione que o mesmo partido, a Frelimo, controle o poder executivo, legislativo e judicial, enfraquecendo sistematicamente o sector de justiça por parte das elites políticas ligadas aos governos

ü  Existência de uma sociedade corrupta. Em que verifica-se camadas sociais de cidadãos que estimulam a corrupção nas instituições públicas (desde o servidor público até o cidadão que procura de serviço público).

ü  A criação das impunidades. Este factor contribui no enraizamento no momento em que os funcionários do governo, ligados a partido Frelimo, geralmente não são punidos nem pelos tribunais, nem pelo processo eleitoral pela sua má governação ou pelo seu comportamento corrupto.
ü  A falta de transparência e de acesso à informação. Que criam, por sua vez, uma desinformação ao cidadão, fortificando o sistema corrupto implantado, bem como inviabilizando o conhecimento da situação financeira do Pais, criando oportunidades para as elites políticas.

ü  Falta de mecanismos de responsabilização adequados e de auditorias independentes. O governo moçambicano cria estrategicamente poucos mecanismos e ineficazes de responsabilização, bem como os garantes externos da responsabilização. Este facto condiciona para que as auditorias e inspecções internas e externas não sejam efectuadas com frequência e nos casos em que são identificadas irregularidades, exista um acompanhamento correctivo para investigar ou processar dentro dos sistemas judiciais ou administrativos.

ü  A existência histórica do paternalismo. Este paternalismo tem caracterizado o relacionamento entre o governo e os cidadãos em Moçambique. No geral, esta situação não mudou desde a transição muito recente do país de um Estado monopartidário socialista para uma democracia nominalmente multipartidária. A herança do passado colonial e socialista do país reflecte-se nos comportamentos e atitudes dos governantes e dos governados. Moçambique possui uma ausência histórica de cultura democrática que responsabilize o Governo como um instrumento do povo, e não como uma força de cima que inspire um temor resignado e filial, um factor que torna a corrupção particularmente difícil de combater.

Factores que possam contribuir para a redução da corrupção a níveis mínimos

Em Huntington (1996), para redução deste fenómeno há uma necessidade de adopção de novas formas de prevenção e de reacção contra os mesmos, em que prepondere a consideração de uma adequada politica criminal ou mesmo de outra realidade programática que contemple a prevenção a pesquisa, a compreensão, a prevenção e repreensão desses novos fenómenos.
Para Bravo (2010), há também a necessidade de Moçambique aplicar, estratégica e fortemente, os instrumentos nacionais de combate a crimes de corrupção, bem como os ratificados internacionalmente, caso do Protocolo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral contra a Corrupção, assinado em Blintyre, aos 14 de Agosto de 2001, ratificado por Moçambique através da Resolução n.° 33/2004, do conselho de Ministros, a Convenção da União Africana Sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção, assinada em Adis-Abeba, e adoptada em 11 de Julho de 2003 em Maputo pela 2ª Sessão Ordinária da Conferencia da União Africana, e ratificada pela resolução n.° 30/2006, e a Convenção da ONU contra a Corrupção, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas 31 de Outubro de 2003 (conhecida como Convenção de Merida - México).
É preciso ainda que o governo moçambicano se esforce, na prática, arduamente e sem limites politicas, em:
ü  Adoptar medidas legislativas e sua prática efectiva a todos níveis do sistema político. Em que se comprometa em adoptar medidas que visam criar, manter e reforçar os padrões de conduta para o exercício correcto, honroso e apropriado de funções públicas, bem como os mecanismos de aplicação desses padrões. Medidas que se revelem necessárias para classificar como infracções penais, quando praticadas intencionalmente.
ü  A descentralização do poder. Nesta descentralização as actividades de fiscalização e monitoria devem permanecer vigilantes em relação ao surgimento da corrupção descentralizada.

O impacto da corrupção vista na perspectiva dos direitos humanos em Moçambique

"Os problemas suscitados pela corrupção fazem volver o fenómeno numa questão de direitos humanos, na medida em que os processos redundam em desvios de fundos necessários para afectar à satisfação de prementes necessidades básicas das camadas populacionais" (Bravo, 2010: 74).
Este fenómeno corruptivo é normalmente efectivado de forma organizada, tornando se num crime organizado. Ora vejamos, segundo o CIP (2016), na Conta Geral do Estado (CGE) para o ano 2015 o Governo apresenta no Mapa (Anexo 1) uma rubrica denominada “Outras Operações” na categoria de Empréstimos Externos Líquidos. O montante em questão é de -42.128.712.000 Meticais (menos 42,1 mil milhões de Meticais, MMT), equivalente a 7,1% do PIB e a 937,9 mil milhões de dólares americanos – um montante superior à dívida inteira da EMATUM. Tendo um sinal negativo e figurando no grupo de transacções “Empréstimos Externos Líquidos” do Mapa I-1 da CGE 2015, isto implica um pagamento ao exterior relacionado com um empréstimo.
Este constitui num prática não transparente relativa a gestão de fundos públicos, e em nome do povo moçambicano, e da Sociedade Civil, em particular, o CIP protesta energicamente contra o facto de o Governo continuar a praticar uma estratégia de não transparência na gestão da dívida. Não é só o facto de ainda aparecer dívida não conhecida pelo povo moçambicano (os US$ 200 milhões ao Ministério do Interior), mas agora também aparecem montantes de magnitude gigantesca na CGE sem nenhuma explicação por parte do Governo.

Referente ao período 2009-2014 o Tribunal administrativo[2] constatou que persiste a não canalização às Direcções de Áreas Fiscais (DAF) das Receitas Próprias e Consignadas por algumas instituições e organismos do Estado que as arrecadam. Em resultado disso, nem todas as receitas destas duas rubricas ingressaram na Conta Única do Tesouro (CUT) e algumas delas nem sequer constam da CGE. Pelo princípio da Unidade de Tesouraria, consagrado na alínea a) do número 1 do artigo 54 da Lei n.º 9/2002, de 12 de Fevereiro, que cria o Sistema de Administração Financeira do Estado, “todos os recursos públicos devem ser centralizados com vista a uma maior capacidade de gestão, dentro dos princípios de eficácia, eficiência e economicidade”.

No mesmo período constatou também que o sistema de arquivo das entidades ainda é deficiente, o que não permite a localização, com eficiência, simplicidade e rapidez, dos documentos atinentes aos seus orçamentos e à execução das suas actividades, o que constitui uma violação do disposto no n.º1 do artigo 90 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, conjugado com o artigo 104, Capítulo XIII, Título I, do Manual de Administração Financeira e Procedimentos Contabilísticos (MAF), aprovado pelo Diploma Ministerial n.º 169/2007, de 31 de Dezembro, do Ministro das Finanças.

Continuando no mesmo período de 2009-2014, o Tribunal administrativo constatou que nalguns processos administrativos de execução das despesas analisadas nas instituições auditadas foram registados, nas Ordens de Pagamento, números de facturas não coincidentes com os indicados nos próprios documentos, o que indicia a introdução de informações falsas nos processos de despesas. Segundo o disposto no artigo 45, conjugado com o n.º 1 do artigo 46, ambos da Lei n.º 9/2002, de 12 de Fevereiro, que cria o Sistema de Administração Financeira do Estado, a Conta Geral do Estado tem por objecto evidenciar a execução orçamental e financeira, bem como apresentar o resultado do exercício e a avaliação do desempenho dos órgãos do Estado, devendo, assim, ser elaborada com clareza, exactidão e simplicidade, de modo a possibilitar a sua análise económica e financeira. Em conformidade com o disposto na alínea g) do n.º 3 do artigo 93 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro, atinente ao regime relativo à organização, funcionamento e processo da 3.ª Secção do Tribunal Administrativo, a introdução, nos processos, de elementos com o intuito de induzir em erro o Tribunal constitui infracção financeira típica.

Afirma ainda o Tribunal administrativo que nem todas as entidades auditadas colaboraram na disponibilização, para verificação, dos comprovativos das despesas realizadas nas componentes “Funcionamento e Investimento” e das efectuadas com Receitas Próprias e Consignadas; nalguns casos, os justificativos apresentados não se encontravam devidamente organizados nos respectivos arquivos.

A FEMATRO, apenas para dar um exemplo, continua com um saldo devedor de 4.050.000 Meticais, desde o ano de 2009, referente ao crédito a ela outorgado pelo Fundo de Apoio à Reabilitação Económica (FARE). De referir que o prazo de pagamento do capital mutuado era de três anos (de 2005 a 2008). Ainda sendo o Tribunal Administrativo, de um empréstimo de 7.900.000 Meticais, contraído em 2005, a reembolsar em três anos, nos termos de um contrato celebrado com o Fundo de Apoio à Reabilitação da Economia, para o financiamento da compra de autocarros, a Federação Moçambicana das Associações dos Transportes Rodoviários (FEMATRO) pagou, apenas, 3.350.000 Meticais, o equivalente a 42,4%.

Portanto, estes e outros factos constatados pelo Tribunal Administrativo e patentes em muitas outras instituições não são comunicados ao público, este que tem o direito a informação. Assim, encontra-se nas instituições moçambicanas um sistema instalado que desinforma de forma sistemática os moçambicanos. Esta prática transparece a ideia de que o governo prossegue não respeitando a Lei do Orçamento, incluindo as boas práticas de gestão de finanças públicas, pois continua a omitir informação sobre fluxos de fundos que prejudicam o nível de vida dos moçambicanos de forma muito grave, violando os seus direitos, o de informação por exemplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário político vivido em Moçambique, a situação financeira da sua economia e o sistema político governativo vigente neste Pais demonstram-se em estratégias adoptadas pelas elites políticas e seus governantes para escamotear a realidade. Um dos indicadores verificados é a não publicação de informações tidas como cruciais para a estabilidade do Pais, que culmina com a violação do direito a informação.
Esta desinformação não pode ser encarada como lapso administrativo, pois que por detrás da mesma existem realidades que condicionam e desestabilizam a economia moçambicana. Visto que em todas esferas das instituições públicas moçambicanas existe um défice de informação, onde os arquivos não se mostram disponíveis para o público, bem como as auditorias feitas não satisfazem o Tribunal Administrativo.
Desta forma, verifica-se que a cultura de corrupção se encontra enraizada na sociedade moçambicana, sendo que a grande corrupção, a das elites politicas desestabiliza a economia e pequena corrupção institucionaliza a corrupção nas escalas inferiores dos serviços públicos, tornando norma que se "molhe a mesa" e ou que "haja algum valor no nó da capulana quando se vai a maternidade".
Esta corrupção poderá ser solucionada se em Moçambique existisse o sistema rotativo de governação, que consiste em existir diversos partidos políticos, e com dirigentes que colocam interesses individuais por último, a dirigir o Pais de forma alternada. Visto que em Moçambique o sistema politico encontra-se institucionalizado ao mesmo partido de libertação, este que controla de forma sistemática os poderes judicial, legislativo e executivo. É um cenário muito bem confirmado por elites políticas e académicas ligadas a este partido e contra o divisionismo no seio de partido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAVO, Jorge Dos Reis. Manual sobre corrupção, criminalidade organizada e económico-financeira. Centro de Formação Jurídica e Judiciaria, Maputo, 2010.
HUNTINGTON, Samuel. The clash of civilization and the remaking of world order. Simon and Schuster, New York, 1996.
LEWIS, Bernard . What Went Wrong? The Clash between islam and modernity in the middle east. Harper Collins Publitions, New York, 2002.
SCHILLING, Flávia. Corrupção, Crime Organizado e Democracia. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 9, Out.° - Dez.°, N.° 36, p. 408, 2001.
CIP – Centro de Integridade Publica. O mundo caminha para a divulgação de "Quem está por detrás das empresas que exploram recursos minerais: Desafios para Moçambique na divulgação do Beneficial Ownership". Edição N.° 38, Maputo, Outubro, 2016.
––––––––– Um Olhar Sobre a Despesa Publica: A Que Serviram os 42 MMT Transferidos ao Exterior?. Edição N.° 44, Maputo, Novembro, 2016.
CASTEL-BRANCO, Carlos. Os Mega Projectos em Moçambique: Que contributos para a Economia Nacional – Comunicação apresentada ao Fórum da sociedade Civil sobre a Indústria Extractiva em Moçambique. Maputo, 2008.





Anexo 1



[1] O País, 20 de Outubro de 2016
[2] Anexo 2 do Relatório do CIP, Edição 44, Novembro de 2016.



quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O impacto da cidadania moçambicana e da possível cultura de corrupção na promoção e defesa dos direitos humanos em Moçambique.

Introdução
Num olhar supérfluo, a cidadania moçambicana não se sente agredida pelo fenómeno da corrupção na esfera pública, pois que, em alguns momentos mergulha de forma voluntaria no sistema de corrupção, alcançando apenas fins singulares, lesando fins colectivos. Esta atitude coloca em causa a essência duma cidadania que promove e defende os direitos humanos. Neste artigo, vamos tecer reflexões averiguadas nas cidades de Maputo e Matola em volta desta tríade de conceitos, cidadania moçambicana, cultura de corrupção e direitos humanos.

A tríade dos conceitos
Numa concepção romana deve se perceber que o termo Cidadania, deriva da palavra ciuis. Em latim, a palavra ciuis gerou ciuitas, “cidadania”, “cidade”, “Estado”. Assim, Cidadania é uma abstracção derivada da junção dos cidadãos. Ciuis é o ser humano livre e, por isso, ciuitas carrega a noção de liberdade em seu centro (FUNARI, 2003). Ainda na mesma perspectiva importa ressaltar que no sentido moderno, cidadania é um conceito derivado da revolução Francesa (1789), para designar um conjunto de membros da sociedade que têm direitos e decidem o destino do Estado.
Através destas noções pode-se indagar a existência ou não da Cidadania em Moçambique. Para Covre (1998), só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Nesse sentido, a prática da cidadania pode ser a estratégia, por excelência para a construção de uma sociedade melhor. Mas, o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a população.
Em Moçambique, embora haja intimidações políticas estratégicas verifica-se vindícias, mas que seu impacto não merece consideração política no que diz respeito a concretização da vontade dos cidadãos. Esta não concretização demonstra que a cidadania em Moçambique é limitada. Não só através de vindícias publicas se manifesta a cidadania, como também através do combate para fazer valer os direitos do cidadão. Este combate tem se mostrado outro caso que resulta em fracasso, visto que moçambicanas precisam ir dar luz na maternidade com algum valor no nó da capulana. Como também, grande parte dos servidores públicos mostram que se deve molhar a mesa para que seja garantido o serviço público a tempo e com eficiência paga.
Este espírito de algum valor no nó da capulana e de molhar a mesa também tem sido demonstrado do lado do cidadão, este que justifica-se por não ter muito tempo de espera, falta de vontade de formar fila, demonstração de posse de poder e ou de status, etc. Este espírito do cidadão mina a verdadeira cidadania, bloqueia a eficiência dos serviços públicos, ofende os direitos humanos e direcciona a Cidadania a um mundo dos serviços públicos totalmente capitalista. Este mal que se verifica tanto a partir do cidadão, como também a partir do servidor público guia-nos a pensar que em Moçambique a corrupção faz parte da cultura.
Lembando que a corrupção constitui um comportamento desviante dos deveres formais de um papel público (eleito ou nomeado) motivado por ganhos privados (pessoais, familiares, etc.) de riqueza ou status (Nye 1957). Como também é um abuso do poder em benefício individual (USAID, 2000).
E num Moçambique, com essa cultura de corrupção, verifica-se que a cidadania e os direitos humanos estão em posição inferiorizada, isto é, a corrupção invade cada vez mais os espaços públicos e coloca em questão a cidadania e os direitos humanos. Mas esta invasão, por vezes é, da iniciativa do cidadão, este que esquece que em outros espaços públicos pode também ser vitima deste ciclo vicioso. Desta forma, há uma necessidade de consciencializar os cidadãos, bem como os servidores públicos que a corrupção enferruja Moçambique, compromete o seu futuro e materializa as mentes, capitalizando-as. Ferre os princípios éticos e morais da sociedade moçambicana.

  
Considerações finais
Através desta relação designada de tríade dos conceitos cidadania moçambicana, cultura de corrupção e direitos humanos, se pode afiançar que em Moçambique, há cidadãos que minam a sua Cidadania e os direitos humanos, pois que imbuídos do espírito capitalista hoje, agem em conformidade com um status social, que desconfigura a natureza duma sociedade que respeita a essência dum serviço público, bem como a dignidade do outro ser moçambicano.
Numa relação prática desta tríade pode-se constatar que a não consideração da real cidadania e dos direitos humanos em Moçambique, cria condições para que haja cultura de corrupção, consistindo na sobreposição, inferiorização de moçambicanos sem poder nem status social elevado a partir de outros moçambicanos, em prol de favoritismo, nepotismo, clientelismo, etc. Com isso pretende se chegar a conclusão de que em Moçambique existem servidores públicos com um nível de cidadania que, sociologicamente analisada, não deveria fazer parte do quadro de servidores, pois que servidores públicos no verdadeiro sentido estão para servir o público em primeiro lugar, e não para molhar a mesa nem para instar que haja algum valor no nó da capulana nas maternidades.
Assim sendo, em Moçambique a cultura de corrupção tem sido herdada desde as elites e iconografias políticas corruptas até ao simples cidadão, este último que viola subjectivamente os seus direitos humanos quando se prepara material ou monetariamente para pedir um favor a um servidor público. E para fazer face a esta cultura de corrupção a sociedade moçambicana através da sua célula base deveria avançar com novas consciências, capazes de proporcionar um Moçambique em que a Cidadania ganha na pratica o seu real sentido e que os direitos humanos sejam compreendidos por todos de forma a serem defendidos e promovidos.


Referências bibliográficas
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1991.
FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos. In: PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi (orgs). História da Cidadania. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2003.
NYE, Joseph. “Corruption and political development: a cost-benefit analysis,” American Political Science Review, nº 61, 1957.

USAID/US AGENCY FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT. “A handbook on fighting corruption”. s. 1. Washington, 1998. WORLD BANK. “Helping countries combat corruption: the role of the World Bank”. Washington, 2000.

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