quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Diversificada Faceta da corrupção em Moçambique e sua Violação do Direito a Informação

INTRODUÇÃO

Este artigo surge no momento em que Moçambique atravessa por uma fase marcada por uma instabilidade política, crise financeira e de uma gestão de fundos públicos não satisfatória, por parte do governo moçambicano, bem como da elite política. Facto que culminou com a descoberta de dívidas ocultas pelo governo cessante, chefiado pelo ex presidente Armando Emílio Guebuza, que perdurou 10 anos (2005-2015). Cenário de total desilusão por parte da população moçambicana e internacional para com este governo e elites políticas moçambicanas, concretamente na gestão de recursos públicos, o que trouxe insatisfação.
Um dos factos crucial de insatisfação perpetrado pelo governo e suas elites politicas, é que embora Moçambique seja um país cumpridor da Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (ITIE) desde 2009, ainda não demonstrou satisfação no que diz respeito a publicação da informação sobre a propriedade beneficiária (Beneficial Ownership) das entidades que detêm licenças de exploração de recursos minerais, ou seja, os dados dos indivíduos e/ou dos verdadeiros proprietários de empresas que detêm as licenças de exploração de recursos minerais em muitos países, incluindo Moçambique (CIP, 2016).
Para Castel-Branco (2008), a transparência e o detalhe da informação são cruciais para que a sociedade possa dar o seu contributo na gestão correcta dos recursos não renováveis em Moçambique. È ainda crucial para que a sociedade faça análises económicas e sociais e realize acções de advocacia e de governação para garantir a gestão correcta destes recursos, de modo que o povo faça o exercício pleno do dever e direito, para poder gerir os seus recursos, o que è possível com uma base sólida de informação.
Portanto, esta falta de transparência na gestão de recursos públicos por parte dos servidores públicos leva a crer que em Moçambique existe uma cultura de corrupção e que a cidadania moçambicana não se sente agredida pelo fenómeno da corrupção na esfera pública. Ora, lembrando Samora Machel, todos governantes deviam colocar em primeiro lugar os interesses públicos e por último os individuais. E quanto aos actuais governantes é facto que suscita dúvidas quanto a suas riquezas, desviando subjectivamente os direitos dos moçambicanos.

A cidadania moçambicana não se sente agredida pelo fenómeno da corrupção na esfera pública

No sistema politico vigente, desde os serviços públicos até às elites politicas, estão criadas condições para que esta cidadania se conforme com este fenómeno. Verificando-se, desde o Moçambique independente, um enraizamento da cultura da corrupção na sociedade moçambicana.
Lembrando o primeiro estadista moçambicano, Samora Machel, em Moçambique verificar-se-iam elites políticas que erguer-se-iam sobre a população, através de práticas corruptivas efectivadas desde o lambebotismo, parasitismo, espírito de deixa andar, etc. Na actualidade Moçambique engole as consequências destas praticas já previstas. E para Oscar Monteiro[1], existem dirigentes que tendem a escolher pessoas menos capacitadas, para não ameaçarem e ofuscar o seu poder. Considerando ser uma nova doença o facto de alguns dirigentes se aproveitarem da sua posição no Estado para alimentar negócios particulares. E que não permite que o Estado se endireite e que já não é uma doença escondida, está na cara dos moçambicanos e do mundo. Portanto, através deste pronunciamento de pode se verificar que os índices de corrupção no sistema estão aculturados e tendem a conformar a cidadania, visto que o mesmo sistema é enfraquecido quando se trata de combate a este mal.
Literalmente, este fenómeno de corrupção constitui-se num moderno tipo de crime e segundo Huntington (1996); Lewis (2002) e outros, a irrupção de recentes e inquietantes fenómenos criminosos, com novos tipos de motivação e de modelo organizativo, vieram surpreender dramaticamente, de forma mais ou menos inesperados, os Estados contemporâneos e os seus cidadãos. Na abertura do ano judicial de 2002, o Procurador-Geral da República de Portugal J. A. S. Couto, relacionava a corrupção com crimes insidioso, pois que "representa um abuso da confiança que a comunidade depositou nos seus agentes, em virtude exactamente do status social de que beneficiam" (Bravo, 2010: 69). Com este posicionamento pode se verificar que os moçambicanos confiaram em governantes corruptos, visto que a crise de boa governação nestes dirigentes suscita diversas reacções de desconfiança por parte da sociedade.
Nesta óptica, "a colectividade acaba por perder todo o apreço pelas instituições públicas e pelos agentes económicos. Cria-se um processo de desagregação moral, gerador da maior desorientação nos cidadãos, e da maior desorganização na convivência social" (Bravo, 2010: 69). Esta desagregação moral e desorientação nos cidadãos demonstram-se num indicador de que o sistema governativo em Moçambique tende a enraizar a cultura da corrupção na sociedade moçambicana.
Na perspectiva de Bravo (2010), os agentes políticos, governantes e ou elites politicas dispõe aqui de amplas possibilidades instrumentais, que vão de carácter variado e extenso das suas actividades profissionais, a utilização de intermediários, passando por um trabalho paciente destinado a criar aparência de legalidade dos comportamentos. Desta forma, a lógica do fenómeno corrupção encontra-se na confluência e intercessão dos processos em que os senhores das instituições que cometem crimes, os white-collars, se encontram com os senhores do crime organizado, em que os criminosos, nossos amigos, estabelecem amizades com os outros criminosos, podendo estes estar a transvestir-se de delinquentes em senhores dos interesses económicos empresariais, politico governativo, em suma, em nossos senhores.

Factores que contribuem para o enraizamento da corrupção em Moçambique

Os factores que enraízam os crimes de corrupção em Moçambique estão ligados directa ou indirectamente a:
ü  Falta de consciência de cidadania. Os moçambicanos demonstram-se com níveis altos de baixa consciência sobre a exaustiva cidadania, concretamente na exigência dos direitos e na procura de serviços públicos. Esta falta de consciência cria uma tolerância popular da corrupção e receio de retaliação, contribuindo para que exista uma cultura generalizada de não reclamar em relação à corrupção.

ü  A não existência dum sistema rotativo de partidos políticos na direcção do Pais. O que condicione que o mesmo partido, a Frelimo, controle o poder executivo, legislativo e judicial, enfraquecendo sistematicamente o sector de justiça por parte das elites políticas ligadas aos governos

ü  Existência de uma sociedade corrupta. Em que verifica-se camadas sociais de cidadãos que estimulam a corrupção nas instituições públicas (desde o servidor público até o cidadão que procura de serviço público).

ü  A criação das impunidades. Este factor contribui no enraizamento no momento em que os funcionários do governo, ligados a partido Frelimo, geralmente não são punidos nem pelos tribunais, nem pelo processo eleitoral pela sua má governação ou pelo seu comportamento corrupto.
ü  A falta de transparência e de acesso à informação. Que criam, por sua vez, uma desinformação ao cidadão, fortificando o sistema corrupto implantado, bem como inviabilizando o conhecimento da situação financeira do Pais, criando oportunidades para as elites políticas.

ü  Falta de mecanismos de responsabilização adequados e de auditorias independentes. O governo moçambicano cria estrategicamente poucos mecanismos e ineficazes de responsabilização, bem como os garantes externos da responsabilização. Este facto condiciona para que as auditorias e inspecções internas e externas não sejam efectuadas com frequência e nos casos em que são identificadas irregularidades, exista um acompanhamento correctivo para investigar ou processar dentro dos sistemas judiciais ou administrativos.

ü  A existência histórica do paternalismo. Este paternalismo tem caracterizado o relacionamento entre o governo e os cidadãos em Moçambique. No geral, esta situação não mudou desde a transição muito recente do país de um Estado monopartidário socialista para uma democracia nominalmente multipartidária. A herança do passado colonial e socialista do país reflecte-se nos comportamentos e atitudes dos governantes e dos governados. Moçambique possui uma ausência histórica de cultura democrática que responsabilize o Governo como um instrumento do povo, e não como uma força de cima que inspire um temor resignado e filial, um factor que torna a corrupção particularmente difícil de combater.

Factores que possam contribuir para a redução da corrupção a níveis mínimos

Em Huntington (1996), para redução deste fenómeno há uma necessidade de adopção de novas formas de prevenção e de reacção contra os mesmos, em que prepondere a consideração de uma adequada politica criminal ou mesmo de outra realidade programática que contemple a prevenção a pesquisa, a compreensão, a prevenção e repreensão desses novos fenómenos.
Para Bravo (2010), há também a necessidade de Moçambique aplicar, estratégica e fortemente, os instrumentos nacionais de combate a crimes de corrupção, bem como os ratificados internacionalmente, caso do Protocolo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral contra a Corrupção, assinado em Blintyre, aos 14 de Agosto de 2001, ratificado por Moçambique através da Resolução n.° 33/2004, do conselho de Ministros, a Convenção da União Africana Sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção, assinada em Adis-Abeba, e adoptada em 11 de Julho de 2003 em Maputo pela 2ª Sessão Ordinária da Conferencia da União Africana, e ratificada pela resolução n.° 30/2006, e a Convenção da ONU contra a Corrupção, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas 31 de Outubro de 2003 (conhecida como Convenção de Merida - México).
É preciso ainda que o governo moçambicano se esforce, na prática, arduamente e sem limites politicas, em:
ü  Adoptar medidas legislativas e sua prática efectiva a todos níveis do sistema político. Em que se comprometa em adoptar medidas que visam criar, manter e reforçar os padrões de conduta para o exercício correcto, honroso e apropriado de funções públicas, bem como os mecanismos de aplicação desses padrões. Medidas que se revelem necessárias para classificar como infracções penais, quando praticadas intencionalmente.
ü  A descentralização do poder. Nesta descentralização as actividades de fiscalização e monitoria devem permanecer vigilantes em relação ao surgimento da corrupção descentralizada.

O impacto da corrupção vista na perspectiva dos direitos humanos em Moçambique

"Os problemas suscitados pela corrupção fazem volver o fenómeno numa questão de direitos humanos, na medida em que os processos redundam em desvios de fundos necessários para afectar à satisfação de prementes necessidades básicas das camadas populacionais" (Bravo, 2010: 74).
Este fenómeno corruptivo é normalmente efectivado de forma organizada, tornando se num crime organizado. Ora vejamos, segundo o CIP (2016), na Conta Geral do Estado (CGE) para o ano 2015 o Governo apresenta no Mapa (Anexo 1) uma rubrica denominada “Outras Operações” na categoria de Empréstimos Externos Líquidos. O montante em questão é de -42.128.712.000 Meticais (menos 42,1 mil milhões de Meticais, MMT), equivalente a 7,1% do PIB e a 937,9 mil milhões de dólares americanos – um montante superior à dívida inteira da EMATUM. Tendo um sinal negativo e figurando no grupo de transacções “Empréstimos Externos Líquidos” do Mapa I-1 da CGE 2015, isto implica um pagamento ao exterior relacionado com um empréstimo.
Este constitui num prática não transparente relativa a gestão de fundos públicos, e em nome do povo moçambicano, e da Sociedade Civil, em particular, o CIP protesta energicamente contra o facto de o Governo continuar a praticar uma estratégia de não transparência na gestão da dívida. Não é só o facto de ainda aparecer dívida não conhecida pelo povo moçambicano (os US$ 200 milhões ao Ministério do Interior), mas agora também aparecem montantes de magnitude gigantesca na CGE sem nenhuma explicação por parte do Governo.

Referente ao período 2009-2014 o Tribunal administrativo[2] constatou que persiste a não canalização às Direcções de Áreas Fiscais (DAF) das Receitas Próprias e Consignadas por algumas instituições e organismos do Estado que as arrecadam. Em resultado disso, nem todas as receitas destas duas rubricas ingressaram na Conta Única do Tesouro (CUT) e algumas delas nem sequer constam da CGE. Pelo princípio da Unidade de Tesouraria, consagrado na alínea a) do número 1 do artigo 54 da Lei n.º 9/2002, de 12 de Fevereiro, que cria o Sistema de Administração Financeira do Estado, “todos os recursos públicos devem ser centralizados com vista a uma maior capacidade de gestão, dentro dos princípios de eficácia, eficiência e economicidade”.

No mesmo período constatou também que o sistema de arquivo das entidades ainda é deficiente, o que não permite a localização, com eficiência, simplicidade e rapidez, dos documentos atinentes aos seus orçamentos e à execução das suas actividades, o que constitui uma violação do disposto no n.º1 do artigo 90 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, conjugado com o artigo 104, Capítulo XIII, Título I, do Manual de Administração Financeira e Procedimentos Contabilísticos (MAF), aprovado pelo Diploma Ministerial n.º 169/2007, de 31 de Dezembro, do Ministro das Finanças.

Continuando no mesmo período de 2009-2014, o Tribunal administrativo constatou que nalguns processos administrativos de execução das despesas analisadas nas instituições auditadas foram registados, nas Ordens de Pagamento, números de facturas não coincidentes com os indicados nos próprios documentos, o que indicia a introdução de informações falsas nos processos de despesas. Segundo o disposto no artigo 45, conjugado com o n.º 1 do artigo 46, ambos da Lei n.º 9/2002, de 12 de Fevereiro, que cria o Sistema de Administração Financeira do Estado, a Conta Geral do Estado tem por objecto evidenciar a execução orçamental e financeira, bem como apresentar o resultado do exercício e a avaliação do desempenho dos órgãos do Estado, devendo, assim, ser elaborada com clareza, exactidão e simplicidade, de modo a possibilitar a sua análise económica e financeira. Em conformidade com o disposto na alínea g) do n.º 3 do artigo 93 da Lei n.º 26/2009, de 29 de Setembro, atinente ao regime relativo à organização, funcionamento e processo da 3.ª Secção do Tribunal Administrativo, a introdução, nos processos, de elementos com o intuito de induzir em erro o Tribunal constitui infracção financeira típica.

Afirma ainda o Tribunal administrativo que nem todas as entidades auditadas colaboraram na disponibilização, para verificação, dos comprovativos das despesas realizadas nas componentes “Funcionamento e Investimento” e das efectuadas com Receitas Próprias e Consignadas; nalguns casos, os justificativos apresentados não se encontravam devidamente organizados nos respectivos arquivos.

A FEMATRO, apenas para dar um exemplo, continua com um saldo devedor de 4.050.000 Meticais, desde o ano de 2009, referente ao crédito a ela outorgado pelo Fundo de Apoio à Reabilitação Económica (FARE). De referir que o prazo de pagamento do capital mutuado era de três anos (de 2005 a 2008). Ainda sendo o Tribunal Administrativo, de um empréstimo de 7.900.000 Meticais, contraído em 2005, a reembolsar em três anos, nos termos de um contrato celebrado com o Fundo de Apoio à Reabilitação da Economia, para o financiamento da compra de autocarros, a Federação Moçambicana das Associações dos Transportes Rodoviários (FEMATRO) pagou, apenas, 3.350.000 Meticais, o equivalente a 42,4%.

Portanto, estes e outros factos constatados pelo Tribunal Administrativo e patentes em muitas outras instituições não são comunicados ao público, este que tem o direito a informação. Assim, encontra-se nas instituições moçambicanas um sistema instalado que desinforma de forma sistemática os moçambicanos. Esta prática transparece a ideia de que o governo prossegue não respeitando a Lei do Orçamento, incluindo as boas práticas de gestão de finanças públicas, pois continua a omitir informação sobre fluxos de fundos que prejudicam o nível de vida dos moçambicanos de forma muito grave, violando os seus direitos, o de informação por exemplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário político vivido em Moçambique, a situação financeira da sua economia e o sistema político governativo vigente neste Pais demonstram-se em estratégias adoptadas pelas elites políticas e seus governantes para escamotear a realidade. Um dos indicadores verificados é a não publicação de informações tidas como cruciais para a estabilidade do Pais, que culmina com a violação do direito a informação.
Esta desinformação não pode ser encarada como lapso administrativo, pois que por detrás da mesma existem realidades que condicionam e desestabilizam a economia moçambicana. Visto que em todas esferas das instituições públicas moçambicanas existe um défice de informação, onde os arquivos não se mostram disponíveis para o público, bem como as auditorias feitas não satisfazem o Tribunal Administrativo.
Desta forma, verifica-se que a cultura de corrupção se encontra enraizada na sociedade moçambicana, sendo que a grande corrupção, a das elites politicas desestabiliza a economia e pequena corrupção institucionaliza a corrupção nas escalas inferiores dos serviços públicos, tornando norma que se "molhe a mesa" e ou que "haja algum valor no nó da capulana quando se vai a maternidade".
Esta corrupção poderá ser solucionada se em Moçambique existisse o sistema rotativo de governação, que consiste em existir diversos partidos políticos, e com dirigentes que colocam interesses individuais por último, a dirigir o Pais de forma alternada. Visto que em Moçambique o sistema politico encontra-se institucionalizado ao mesmo partido de libertação, este que controla de forma sistemática os poderes judicial, legislativo e executivo. É um cenário muito bem confirmado por elites políticas e académicas ligadas a este partido e contra o divisionismo no seio de partido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAVO, Jorge Dos Reis. Manual sobre corrupção, criminalidade organizada e económico-financeira. Centro de Formação Jurídica e Judiciaria, Maputo, 2010.
HUNTINGTON, Samuel. The clash of civilization and the remaking of world order. Simon and Schuster, New York, 1996.
LEWIS, Bernard . What Went Wrong? The Clash between islam and modernity in the middle east. Harper Collins Publitions, New York, 2002.
SCHILLING, Flávia. Corrupção, Crime Organizado e Democracia. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 9, Out.° - Dez.°, N.° 36, p. 408, 2001.
CIP – Centro de Integridade Publica. O mundo caminha para a divulgação de "Quem está por detrás das empresas que exploram recursos minerais: Desafios para Moçambique na divulgação do Beneficial Ownership". Edição N.° 38, Maputo, Outubro, 2016.
––––––––– Um Olhar Sobre a Despesa Publica: A Que Serviram os 42 MMT Transferidos ao Exterior?. Edição N.° 44, Maputo, Novembro, 2016.
CASTEL-BRANCO, Carlos. Os Mega Projectos em Moçambique: Que contributos para a Economia Nacional – Comunicação apresentada ao Fórum da sociedade Civil sobre a Indústria Extractiva em Moçambique. Maputo, 2008.





Anexo 1



[1] O País, 20 de Outubro de 2016
[2] Anexo 2 do Relatório do CIP, Edição 44, Novembro de 2016.



quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O impacto da cidadania moçambicana e da possível cultura de corrupção na promoção e defesa dos direitos humanos em Moçambique.

Introdução
Num olhar supérfluo, a cidadania moçambicana não se sente agredida pelo fenómeno da corrupção na esfera pública, pois que, em alguns momentos mergulha de forma voluntaria no sistema de corrupção, alcançando apenas fins singulares, lesando fins colectivos. Esta atitude coloca em causa a essência duma cidadania que promove e defende os direitos humanos. Neste artigo, vamos tecer reflexões averiguadas nas cidades de Maputo e Matola em volta desta tríade de conceitos, cidadania moçambicana, cultura de corrupção e direitos humanos.

A tríade dos conceitos
Numa concepção romana deve se perceber que o termo Cidadania, deriva da palavra ciuis. Em latim, a palavra ciuis gerou ciuitas, “cidadania”, “cidade”, “Estado”. Assim, Cidadania é uma abstracção derivada da junção dos cidadãos. Ciuis é o ser humano livre e, por isso, ciuitas carrega a noção de liberdade em seu centro (FUNARI, 2003). Ainda na mesma perspectiva importa ressaltar que no sentido moderno, cidadania é um conceito derivado da revolução Francesa (1789), para designar um conjunto de membros da sociedade que têm direitos e decidem o destino do Estado.
Através destas noções pode-se indagar a existência ou não da Cidadania em Moçambique. Para Covre (1998), só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Nesse sentido, a prática da cidadania pode ser a estratégia, por excelência para a construção de uma sociedade melhor. Mas, o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a população.
Em Moçambique, embora haja intimidações políticas estratégicas verifica-se vindícias, mas que seu impacto não merece consideração política no que diz respeito a concretização da vontade dos cidadãos. Esta não concretização demonstra que a cidadania em Moçambique é limitada. Não só através de vindícias publicas se manifesta a cidadania, como também através do combate para fazer valer os direitos do cidadão. Este combate tem se mostrado outro caso que resulta em fracasso, visto que moçambicanas precisam ir dar luz na maternidade com algum valor no nó da capulana. Como também, grande parte dos servidores públicos mostram que se deve molhar a mesa para que seja garantido o serviço público a tempo e com eficiência paga.
Este espírito de algum valor no nó da capulana e de molhar a mesa também tem sido demonstrado do lado do cidadão, este que justifica-se por não ter muito tempo de espera, falta de vontade de formar fila, demonstração de posse de poder e ou de status, etc. Este espírito do cidadão mina a verdadeira cidadania, bloqueia a eficiência dos serviços públicos, ofende os direitos humanos e direcciona a Cidadania a um mundo dos serviços públicos totalmente capitalista. Este mal que se verifica tanto a partir do cidadão, como também a partir do servidor público guia-nos a pensar que em Moçambique a corrupção faz parte da cultura.
Lembando que a corrupção constitui um comportamento desviante dos deveres formais de um papel público (eleito ou nomeado) motivado por ganhos privados (pessoais, familiares, etc.) de riqueza ou status (Nye 1957). Como também é um abuso do poder em benefício individual (USAID, 2000).
E num Moçambique, com essa cultura de corrupção, verifica-se que a cidadania e os direitos humanos estão em posição inferiorizada, isto é, a corrupção invade cada vez mais os espaços públicos e coloca em questão a cidadania e os direitos humanos. Mas esta invasão, por vezes é, da iniciativa do cidadão, este que esquece que em outros espaços públicos pode também ser vitima deste ciclo vicioso. Desta forma, há uma necessidade de consciencializar os cidadãos, bem como os servidores públicos que a corrupção enferruja Moçambique, compromete o seu futuro e materializa as mentes, capitalizando-as. Ferre os princípios éticos e morais da sociedade moçambicana.

  
Considerações finais
Através desta relação designada de tríade dos conceitos cidadania moçambicana, cultura de corrupção e direitos humanos, se pode afiançar que em Moçambique, há cidadãos que minam a sua Cidadania e os direitos humanos, pois que imbuídos do espírito capitalista hoje, agem em conformidade com um status social, que desconfigura a natureza duma sociedade que respeita a essência dum serviço público, bem como a dignidade do outro ser moçambicano.
Numa relação prática desta tríade pode-se constatar que a não consideração da real cidadania e dos direitos humanos em Moçambique, cria condições para que haja cultura de corrupção, consistindo na sobreposição, inferiorização de moçambicanos sem poder nem status social elevado a partir de outros moçambicanos, em prol de favoritismo, nepotismo, clientelismo, etc. Com isso pretende se chegar a conclusão de que em Moçambique existem servidores públicos com um nível de cidadania que, sociologicamente analisada, não deveria fazer parte do quadro de servidores, pois que servidores públicos no verdadeiro sentido estão para servir o público em primeiro lugar, e não para molhar a mesa nem para instar que haja algum valor no nó da capulana nas maternidades.
Assim sendo, em Moçambique a cultura de corrupção tem sido herdada desde as elites e iconografias políticas corruptas até ao simples cidadão, este último que viola subjectivamente os seus direitos humanos quando se prepara material ou monetariamente para pedir um favor a um servidor público. E para fazer face a esta cultura de corrupção a sociedade moçambicana através da sua célula base deveria avançar com novas consciências, capazes de proporcionar um Moçambique em que a Cidadania ganha na pratica o seu real sentido e que os direitos humanos sejam compreendidos por todos de forma a serem defendidos e promovidos.


Referências bibliográficas
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1991.
FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos. In: PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi (orgs). História da Cidadania. 2ª Ed. São Paulo: Contexto, 2003.
NYE, Joseph. “Corruption and political development: a cost-benefit analysis,” American Political Science Review, nº 61, 1957.

USAID/US AGENCY FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT. “A handbook on fighting corruption”. s. 1. Washington, 1998. WORLD BANK. “Helping countries combat corruption: the role of the World Bank”. Washington, 2000.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Análise crítica da situação económica de Moçambique e o seu impacto no apedeutismo dos direitos humanos.

Introdução
Este artigo parte das análises feitas pelo economista e sociólogo João Mosca aquando da sua interpretação atinente à situação económica actual de Moçambique, para demonstrar que os direitos humanos em Moçambique são parte dependente da situação económica, esta que por sua vez depende também do regime e sistema político instalado. Nesta perspectiva, o centro das atenções é o não usufruto de benefícios relacionados com direitos económicos por parte dos moçambicanos, o que representa uma grave violação dos direitos humanos.

Estabilidade económica de Moçambique é fictícia segundo J. Mosca
A nível da propaganda política tem se ouvido frases como "Moçambique está a lutar contra a pobreza absoluta…, que os níveis de acesso a educação infantil estão a melhorar…, que a pobreza urbana tende a decrescer…, que as desigualdades sociais nas zonas urbanas tendem a alcançar níveis satisfatórios…, que o acesso a serviços básicos como de saúde, transporte, etc., estão sendo melhorados". Estas frases datam de há cerca de 10-15 anos e quando apresentadas fora de Moçambique há quem pense que o governo neste período está estável e a trabalhar em prol dos moçambicanos, isto é, da maioria necessitada de serviços básicos do Estado.

Para Mosca, a situação económica em Moçambique é crítica e o governo está assente sobre uma suposta estabilidade económica. Isto é, a situação em que o país vive é uma estabilidade fictícia, não diria nos últimos três anos, mas há bastantes anos, talvez há 10 anos. A fundamentação disto não é muito difícil, na medida em que existem vários indicadores de economia.

O nosso Orçamento do Estado é subsidiado em 50% por recursos externos doados ou da ajuda externa. E se formos a entrar no orçamento, veremos que em alguns casos dentro do orçamento público e sobretudo na área do investimento público, há onde mais de 80% do investimento é de recursos externos. Isso significa que grande parte da intervenção pública do Estado, no investimento, e também no suporte de funcionamento do Estado, vem de recursos que não são criados dentro do país, em Moçambique. Isso significa que o Estado está direccionado à capacidade de gerir os recursos e não de gerar estes recursos.

Outro aspecto importante é que a nossa economia tem um nível de riqueza muito baixo, e, portanto, tem a capacidade de poupança também muito baixa. Isto significa que a capacidade de investimento interno é muito limitada. Quer dizer que grande parte do investimento na economia, possivelmente cerca de 80%, em alguns sectores mais, é Investimento Directo Estrangeiro. E dos 20% que se consideram investimento moçambicano, eventualmente algum dele não está realizado. As pessoas só estão lá como sócios, não realizando capitais correspondentes aos 20% que o país dispõe como investimento nacional. Isso significa que o país, os agentes económicos, o sector privado, em Moçambique, é extremamente débil e sem capacidade de recursos para fazer investimentos avultados na economia.

Devido a fragilidade da nossa economia e verificando se cada vez mais a necessidade de manter a ajuda externa, será que se pode acreditar num Moçambique não independente economicamente, em que o seu regime mantém este princípio de dependência económica de forma intencional? Há quem diga que há condições para que Moçambique faça uma gestão financeira sustentável da ajuda externa e interna para reduzir em níveis altos a dependência internacional. E também se pode dizer que essa insustentabilidade gerada nestes anos pelo regime e sistema político deva ter funções latentes e manifestes, isto e, há uma mais-valia concentrada em minorias moçambicanas que se produz a cada inviabilização de recursos destinados a ajuda externa na população moçambicana.

A nossa economia vive acima das suas capacidades
Então, o que isso quer dizer? Para Mosca quer dizer que a nossa economia vive acima das suas capacidades. O nível de consumo que tem a nossa economia, apesar de baixo, o nível das actividades do nosso Estado, apesar de baixo, está muito além da riqueza criada em Moçambique. Logo, tudo aquilo que pensamos que existe, os tais equilíbrios da balança de pagamentos, o equilíbrio do Orçamento do Estado, alguns investimentos existentes, algum controlo de inflação, tudo isso é possível, não pela riqueza, nem pelo funcionamento e equilíbrios internos, do mercado interno, não são resultantes da produção nacional, são resultados de recursos externos.

Então pode-se admitir que os tais equilíbrios que se referem estatisticamente são equilíbrios fictícios, na medida em que não reflectem a verdade económica e social de Moçambique, mas sim reflectem recursos externos que estão a ser injectados.

Por isso, Mosca reafirma e não só ele o diz, vários economistas o dizem. A nossa economia é uma economia cujos chamados equilíbrios macroeconómicos são financiados por recursos externos. Mas também o nosso crescimento económico é muito financiado por estes recursos estrangeiros dos grandes projectos. A produtividade da economia não tem aumentando, o que significa que os aumentos da produção, o aumento da riqueza, o crescimento do PIB não são fundamentalmente uma consequência do aumento da produtividade ou de eficiência económica, mas, sim, é resultado de aumento de novas capacidade produtivas, portanto faz sentido essa afirmação.

Conclusões
Os direitos humanos são, na sua natureza, efectiváveis através dum sistema económico saudável e desenvolvido. Contudo, verifica-se que quanto maior desenvolvimento de um pais, maior é a concretização dos direitos humanos. Mas para o caso de Moçambique apenas se pode afirmar que quanto mais se eliminar definitivamente a corrupção na elite politica e ligada ao partido no poder, maior será a efectivação dos direitos humanos.

Quanto mais fraca for a nossa economia nacional, poucas capacidades têm o Estado em fornecer benefícios aos moçambicanos. E como sendo que a elite política ligada ao partido no poder é que dita o destino do país, verifica-se um bloqueio forte da quebra deste obstáculo. E com isso, quanto maior for a intervenção internacional naquilo que são as contas, finanças e investimentos de Moçambique, maior será a efectivação dos direitos humanos dependentes da economia do pais.


Nesta perspectiva académica de clamar pelos direitos humanos em Moçambique há que salientar que os direitos económicos, sociais e culturais, inseridos na convenção internacional sobre direitos económicos incluem o direito à educação, o direito a habitação condigna, à comida, estradas de qualidade e segurança, transporte publico seguro e confortável, à água, luz em via públicas e em suas próprias residências, a condições dignas de trabalho, em que nenhuma elite politica limite o nível de salário aos funcionários, e ao usufruto dos mais elevados padrões de prestação de cuidados de saúde, físicos e mentais. Por fim, Moçambique clama pela liberdade contra a elite egoísta ligada ao partido no poder, desde os Mr 5% e sua companhia que se esconde na politica moçambicana para acomodar interesses individuais em prol da sua elite.

Que direitos humanos defende a Paulina Chiziane e Mariana Martins no livro Ngoma Yethu?

Introdução
Com o objectivo de tecer reflexões sobre os direitos humanos defendidos por Paulina Chiziane[1] e Mariana Martins[2] na sua obra Ngoma Yethu, começa-se pela colocação da seguinte questão: Quais os direitos humanos que as autoras clamam na sua obra Ngoma Yethu? Tendo em conta que os direitos humanos são um conjunto de princípios, liberdades e garantias fundamentais inerentes a pessoa humana, irá-se, no presente artigo, reflectir de forma a identificar os direitos que necessitam de ser defendidos e promovidos.

Os direitos humanos
Ter cuidados médicos que colocam a dignidade humana em primeiro lugar…, ter transporte público que garanta segurança, comodidade e satisfação a pessoa transportada…, ser tratado com respeito a sua posição social, estratificação e qualquer forma de diferenciação…, ter habitação condigna…, são alguns dos direitos humanos que a nível mundial são garantidos por vários governos. Estes direitos são reconhecidos a todas pessoas, no sentido de respeitar a sua dignidade, de protegê-las contra quaisquer tipos de abusos e promover o seu desenvolvimento individual e colectivo.
Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Incluem o direito à vida à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação. O Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos actos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.
As actividades das organizações da sociedade civil em Moçambique já conduziram a inúmeros avanços no plano da actuação legislativa do Estado, seja no que tange a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos, como no que toca à aprovação de legislação interna. Pode-se distinguir a intervenção da classe jornalística para a aprovação da Lei de Imprensa, em 1991, e dos movimentos feministas para a aprovação da Lei sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher, aprovada em 2009, a intervenção da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos na questão da aprovação da Lei Contra o Tráfico de Pessoas, em 2008, e mais recentemente pode-se destacar a intervenção do Centro de Integridade Pública na aprovação da Lei da Probidade Pública, em 2012. Mesmo com estes avanços e outros não referidos, a questão prevalece, isto é, quais os direitos humanos que as autoras clamam na sua obra Ngoma Yethu?

Que direitos humanos clama o Ngoma Yethu?
O Ngoma Yethu traz histórias moçambicanas em que curandeiros moçambicanos são estereotipados como sendo tradicionais. E ai centra-se o cume da critica do Ngoma Yethu, pois que a caracterização em si de tradicional coloca os curandeiros numa posição inferiorizada. E sem concordar com a perspectiva de Paulina Chiziane quando refere que o termo tradicional refere, em alguns casos, a inferiorização, há que perceber que o termo refere a toda cerimónia ou costume praticado e relacionado a uma determinada cultura ou história de uma comunidade. O tradicional pode ser manifestado em diversas expressões artísticas que explicam o quotidiano de uma maneira enraizada na história de um povo.
Cada organização social suavemente complexa estabelecida como uma unidade de cultura própria é capaz de evidenciar uma tradição. Assim, é possível falar de tradição em povos marginalizados, em tribos escondidas com pouco contacto; no entanto, é possível referir-se à tradição em uma cultura hegemónica e de grande importância na sociedade maioritária. Desta forma, há uma necessidade do Ngoma Yethu rever a crítica que faz ao termo tradicional quando se refere a inferiorização do curandeirismo.
O curandeirismo por sua vez  é uma arte ou técnica na qual o praticante, o curandeiro ou curador,  tem o poder de curar, quer recorrendo a forças misteriosas de que pretensamente disporia, quer pela pretendida colaboração regular de deuses,  espíritos de luz, de mortos, de animais, etc., que lhe servirem ou ele dominam. Nesse sentido envolve todo um conjunto de "rezas" e práticas de sacerdotes, terapeutas,  benzedores, feiticeiros, xamãs, pajés, médiums, babalorixás, pais de santo, entre outros nomes como tais praticantes são designados a depender da região e cultura local.
Clama o Ngoma Yethu por um reconhecimento da capacidade dos curandeiros, estes que usam-se de raízes de diversas plantas para exercer a sua actividade de cura. E num mundo globalizado e elucidado, no que diz respeito aos direitos humanos, há uma necessidade do curandeiro exercer a sua cura, partilhando seus interesses com diversas culturas de forma a alcançar um bem comum, ou melhor, uma pratica daquilo que são direitos culturais dos povos.
Estes direitos culturais dos povos são referidos no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que destaca no seu relatório de 2004, intitulado "Liberdade Cultural num Mundo Diversificado", que a liberdade cultural é essencial para o desenvolvimento humano. E para Mark M. Brown, director do PNUD, se o mundo deseja alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milénio e erradicar de vez a pobreza deverá, antes de mais, vencer o desafio de construir sociedades inclusivas e diversificadas em termos culturais.
O Ngoma Yethu parte da seguinte inquietação: De que modo os diversos sistemas implantados pela dominação colonial criaram condição para a emergência de uma atitude de autentica auto-colonização mental por parte do africano que já independente continua, por si mesmo, a reproduzir os modelos de dominação e de esvazamento cultural outrora impostos. Desta inquietação há que avançar com a hipótese de que o modo pelo qual se clama no Ngoma Yethu está ligado àquilo que Weber chamou da forma do capitalismo e não espírito capitalista[3].
Em Weber, não pode confundir a forma do capitalismo e o espírito do capitalismo porque a forma sim, é ambição por lucro, é a ânsia por mais e mais dinheiro se afastando de todo gozo espontâneo da vida, fase em que o homem é dominado pela produção de dinheiro. Constitui, a forma do capitalismo a um sistema económico, cujo centro é representado pela empresa capitalista, trabalho organizado, gestão racional, etc. E esta forma capitalista demonstra-se o modo pelo qual diversos sistemas implantados pela dominação colonial criaram condição para a emergência de uma atitude de autêntica auto-colonização mental por parte do africano, através da exploração dos recursos naturais, exploração do homem para uma possível acumulação de capital.
Ainda na inquietação do Ngoma Yethu há que centrar as atenções no processo pelo qual o africano que já independente continua, por si mesmo, a reproduzir os modelos de dominação e de esvazamento cultural outrora impostos. Verifica-se ainda nesta inquietacao que existe um direito a ser extrapolado subjectivamente pelo africano, visto que continua a reproduzir o colonialismo de diversas formas, ignorando a sua própria cultura. Num caso destes, no meu pensamento, há uma necessidade deste africano ser inculcado, pelo outro, não só africano, que o conhecimento e transmitido de gerações em gerações de forma a resolver problemas dum certo tempo.
No tempo das colonizações esses conhecimentos foram inculcados como instrumentos para a prática da colonização e na actualidade precisa-se inculcar outros conhecimentos, através de diversos instrumentos, de forma a fazer perceber que os desafios dos dias actuais são os direitos humanos, em que deve-se reafirmar os direitos culturais dos povos, a sua identidade, os seus costumes, hábitos e crenças. E este processo demonstra que o conhecimento é produto da construção social da realidade dos homens, e estes homens lutam em torno do respeito pelos direitos humanos. Sendo necessário a concepção das historias de todos os povos, não como única historia, mas sim, uma historia com diversas facetas em que todas elas tem significado quando inserido num determinado contexto cultural.
Desta forma, pretende se desunir que todo o indivíduo tem direito a manter a sua identidade étnica, linguística e religiosa. E que a aplicação de políticas que reconheçam e protejam estas identidades é a única forma sustentável de conseguir o desenvolvimento em várias sociedades. Para Amartya Sem[4], a exclusão de grupos religiosos ou étnicos e a sua segregação social têm como resposta o activismo político. Em tais circunstâncias a política de identidade pode polarizar comunidades e nações inteiras, espalhar o ódio e ameaçar destruir a paz e o desenvolvimento.
Numa fase da história moçambicana já houve registo de perseguições a curandeiros e outros líderes africanos não ligados ao sistema político vigente, e essa constituiria hoje uma grave violação desse direito cultural. E implicaria numa inibição ao direito à liberdade cultural, esta que constitui num bem comum associado à democracia, pois todo ser humano deve ter o direito de ter oportunidade em escolher sua identidade cultural ou sua própria forma de vida que deseja (étnica, sexual, linguística, religiosa, etc.).
Numa outra inquietação do Ngoma Yethu está patente o curandeiro e o novo testamento. Nesta polaridade e numa realidade moçambicana as autoras referem que existe uma inferiorização deste curandeiro por parte de algumas religiões que a cada dia crescem não só na capital do país, como também inculcam nos seus crentes que o curandeiro, ou melhor, as religiões africanas, as que cultuam deuses ou espíritos africanos são na sua totalidade e essência diabólicas e que não se demonstram humanistas. Mas que sim, o cristianismo é a solução, a vida eterna.
De toda percepção sobre cristianismo e curanderismo importa ressaltar que reside por detrás uma base psicanalítica relacionada com poder. Esta base procura demonstrar que todo ser humano tem capacidades psíquicas capazes de determinar aquilo que é conveniente no âmbito cultural, social, politico, etc. E esta base sempre procurou ganhar um espaço para a sua reafirmação nas suas respectivas sociedades, bem como para sua expansão noutras. A titulo do exemplo do cristianismo que expandiu-se para diversas regiões do mundo com a intenção de provar que Jesus Cristo é o caminho certo. Como também das religiões africanas que procuram ganhar seu espaço ao reafirmar o poder que os seus deuses têm na resolução de problemas tipificamente africanos. Portanto, pode-se concluir que desta polaridade existe a questão de conquista do poder sobre todas religiões do mundo.
Existindo diversas religiões espalhadas pelo mundo e também prevalecendo os direitos humanos há que referenciar que as religiões na sua diversidade precisam reafirmar o seu espaço, ganhando sua popularidade sem por em questão a inferiorização das outras religiões. Pois que as populações gozam do direito a livre escolha, podendo estas cultuarem todas religiões de forma a avaliar qual delas esta cada vez mais próxima do seu problema social. Assim, o Ngoma Yethu clama por direitos culturais, que estão estritamente ligadas a religiões, onde algumas destas violam alguns princípios quando inferiorizam as outras, classificando-as de inferiores, incapazes, obscuras, diabólicas, etc. Nesta perspectiva as populações precisam de ganhar esta liberdade de escolher livremente suas religiões, e as religiões por sua precisam respeitar e reconhecer a existência das outras religiões, centrando-se nas suas crenças. Só assim, se alcançará um desenvolvimento humano que respeita a liberdade cultural dos povos.
Nestes tempos de globalização, corre um grande risco de se perder a liberdade cultural. Desta forma é de grande necessidade uma política multicultural, voltada a melhoria em investimentos, criando soluções includentes viáveis e que diminuam as desigualdades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em prol do tão sonhado desenvolvimento sustentável, melhorando assim a vida das populações mais pobres e marginalizadas. 
Desse modo seria de grande necessidade que todas as Nações se unissem realizando um diálogo universal de forma democrática e participativa juntando as forças em busca de gerar uma sociedade global socialmente mais justa, equitativa e economicamente equilibrada, respeitando acima de tudo os Direitos Humanos Universais.

Conclusão
Com a reflexão acima verifica-se que a diversidade de cultura além de ser uma herança preciosa ela não é estática, estando sempre em constante processo de evolução, não devendo existir conservadorismo, pois seria uma forma de privação da liberdade do sujeito. A cultura determina a sociedade (em seus diversos aspectos) e consequentemente a política e a economia, isso acontece por meio do comportamento, ideologia, tradições, costumes, nível de engajamento com outras culturas, aceitabilidade e uma gama infinita de variáveis inerentes de cada indivíduo numa sociedade.
Verifica-se a nível mundial que culturas demasiadamente fechadas e centradas em si mesmas, tendem a gerar uma sociedade insana e isolada sob todos os aspectos. Já, culturas abertas e "globalizadas" tendem a se dinamizar com maior rapidez e a se perpetuar, não como um organismo estático e imutável, mas uma sociedade em constante mutação.  Em alguns casos as religiões subalternizadas precisam de uma abertura de forma a permitir a sua globalização e reconhecimento da sua existência no mundo.
O curandeirismo demonstra-se uma prática cultural que se enquadra em todas suas respectivas sociedades. Nessas sociedades há uma necessidade de se defender e promover os seus direitos culturais, que estes hábitos e costumes relacionados com curandeirismo sejam cada vez mais valorizados pelas sociedades externas. A sua valorização, defesa dos seus direitos pode ser efectivada pela não inferiorização por parte de outras religiões, podendo cada Estado criar mecanismos políticos de incentivar a não subalternização, promovendo possíveis sanções a violação destes direitos culturais.



[1] Escritora manjakaziana com uma vasta lista de publicações conforme https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulina_Chiziane
[2] Curandeira moçambicana com varias historias e experiencias da personalidade africana e ligadas a curas.
[3] É uma ética de vida, uma orientação na qual o indivíduo é induzido um senso de obrigação moral para o cumprimento de suas obrigações terrenas.

[4] Economista indiano e prémio Nobel

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