terça-feira, 19 de setembro de 2017

Breve contextualização da realidade moçambicana dos direitos humanos. Cogitações que partem das teorias e gerações dos Direitos Humanos.

Breve contextualização da realidade moçambicana dos direitos humanos. Cogitações que partem das teorias e gerações dos Direitos Humanos.

Introdução
As origens mais remotas da fundamentação filosófica dos direitos do homem se encontram nos primórdios da civilização, conforme assinala o Código de Hamurábi (Babilônia, século XVIII a. C), o pensamento de Amenófis IV (Egito, século XVI a. C.), a filosofia de Mêncio (China, século IV a. C.), a República, de Platão (Grécia, século IV a. C.), o Direito Romano e inúmeras culturas ancestrais, diz Herkenhoff (1994). Os direitos do homem se afirmaram em gerações que tratam do desenvolvimento histórico dos direitos do homem, que no entendimento de Bobbio ocorreu através de quatro gerações. Mas nenhuma dessas gerações representa um dado satisfatório quando se fala de Moçambique, visto que continua se verificar muita falta de vontade politica de diferenciação entre teoria e pratica.

 1ª Geração
Nesta fase dos direitos humanos o centro eram os direitos individuais, que pressupõem a igualdade formal perante a lei e consideram o sujeito abstractamente. São os direitos que emergem no século XVIII com as Declarações Norte-Americana e Francesa. Conforme Celso Lafer (1988: 126), "são vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social". Esses direitos representam a liberdade do homem contra o poder absoluto do Estado. E continua o autor acima afirmar que  são direitos individuais:
(I)                Quanto ao modo de exercício - é individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião;
(II)             Quanto ao sujeito passivo do direito - pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os demais indivíduos, já que estes direitos têm como limite o reconhecimento do direito do outro, (...) e,
(III)          Quanto ao titular do direito, que é o homem individual na sua individualidade.

Os direitos desta geração buscam controlar e limitar os desmandos do governante, de modo que este respeite as liberdades individuais da pessoa humana. São, portanto, uma limitação do poder público, um não fazer do Estado, uma prestação negativa em relação ao indivíduo. De fato, conforme descreve Adriana Galvão de Moura in Constituição e Construção da Cidadania (2005: 22): “tais direitos têm por titular o indivíduo e são oponíveis ao Estado, traduzindo-se como faculdades ou atributos da pessoa”. Se os direitos desta geração buscam controlar e limitar os desmandos do governante, como podemos avaliar os governos da nossa época?

2ª Geração
Estes centram-se nos direitos colectivos: os direitos sociais, nos quais o sujeito de direito é visto como inserido no contexto social, ou seja, analisado em uma situação concreta. Os direitos do homem de segunda geração surgem no século XX, como reivindicação dos excluídos a participarem do "bem-estar social" como, por exemplo, os direitos ao trabalho, à saúde e à educação, sendo o titular de tais direitos o indivíduo e o sujeito passivo o Estado, pois na interacção entre governados e governantes este assume a responsabilidade de atendê-los.
Celso Lafer (1988: 127-128), volta a afirmar que estes direitos
"... podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em relação ao indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de trabalho".

O uso amplo da liberdade individual acabou por desequilibrar a sociedade ocidental, criando enormes injustiças sociais. Dessa maneira, tivemos o conflito entre o trabalho e o capital diante de um Estado indiferente, e favorecedor da opressão dos trabalhadores pela burguesia.
Nesse contexto, Adriana Galvão Moura in Constituição e Construção da Cidadania (2005, p. 23) salienta que: “As normas constitucionais consagradoras desses direitos exigem do Estado uma actuação positiva, através de acções concretas desencadeadas para favorecer o indivíduo (também são conhecidos como direitos positivos ou direitos de prestação) ”.

A segunda geração fundamenta-se no ideário da igualdade, não mais no contexto de deixar de fazer alguma coisa, e sim na exigência de que o poder público deve actuar em favor do cidadão. Numa realidade concreta ligada a Moçambique verifica-se factos que provam que o cidadão é melhor servido no âmbito teórico, pois que em termos de cuidados médicos as mulheres nas maternidades são tratadas em conformidade com o que tiver no nó da capulana, e já se imagina o tratamento de quem não preparou o nó. Os âmbitos da justiça, transporte, serviço público, etc., não estão alheios. Com a filosofia desta geração dos direitos humanos podemos sim afirmar que Moçambique está no "caminho certo", visto que os cidadãos estão sim "satisfeitos" com a prestação do seu governo.

3ª Geração
O centro desta geração são os direitos dos povos ou os direitos de solidariedade: os direitos transindividuais, também chamados direitos colectivos e difusos, e que basicamente compreendem os direitos do consumidor e os direitos relacionados à questão ecológica.
A terceira geração de direitos do homem refere-se ao direito à paz, ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, à comunicação, ao desenvolvimento, aos direitos dos consumidores e vários outros direitos, sobretudo, aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneráveis: a criança, o idoso, o deficiente físico etc.; e não teve a sua origem a nenhuma revolução, mas à acção dos países do terceiro mundo que, durante a Guerra Fria, na bipolaridade Leste/Oeste, conseguiram, por meio de acção diplomática, inserir esses novos direitos na agenda internacional.
No entendimento de Celso Lafer (1988: 131) os direitos humanos de terceira geração são aqueles direitos de titularidade colectiva: “o titular destes direitos deixa de ser a pessoa singular, passando a sujeitos diferentes do indivíduo, ou seja, os grupos humanos como a família, o povo, a nação, colectividades regionais ou étnicas e a própria humanidade”. No século XX, após grandes conflitos mundiais, novas reivindicações sociais passaram a fazer parte do cenário internacional e das sociedades contemporâneas. As condições para a ampliação do conteúdo dos direitos do homem se apresentavam através de novas contradições e confrontos que exigiam respostas visando a garantia e protecção da vida e das liberdades.

4ª Geração
Neste nosso século verifica-se os direitos de Manipulação Genética, que relacionam-se à biotecnologia e à bioengenharia, que tratam de questões sobre a vida e a morte, e que requerem uma discussão ética prévia. Esta geração se refere à manipulação genética, à biotecnologia e à bioengenharia, abordando reflexões acerca da vida e da morte, pressupondo sempre um debate ético prévio. Através dessa geração se determinam os alicerces jurídicos dos avanços tecnológicos e seus limites constitucionais.
Devido ao grande desenvolvimento da biotecnologia o direito foi surpreendido por questões que até aquele momento não conhecidas, tais como: quais são os limites à intervenção do homem na manipulação da vida e do património genético do ser humano? Como o direito regula a utilização das novas tecnologias genéticas respeitando os valores bioéticos? A estas questões, localmente contextualizada, acrescenta-se a seguinte: Como estes direitos de quarta geração podem ser usufruídos por uma camada populacional moçambicana com níveis baixos de percepção sobre manipulações biotecnológicas?

Diante dos avanços da revolução tecnológica e da nova ordem mundial, a quarta geração vem suscitando controvérsias em relação aos direitos e obrigações decorrentes da manipulação genética ou do controlo de dados informatizados que muitas vezes podem ser acessados via internet, e em qualquer lugar do mundo. Também denominados “direitos difusos”, colocam em evidência os direitos concernentes à evolução tecnológica. E sobre esta evolução tecnológica quem garante a segurança total dos dados de todos moçambicanos, caso não queiramos questionar de toda populacaomundial?

Bobbio (1992: 6) entende que a quarta geração de direitos do homem refere-se “aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do património genético de cada indivíduo”. Dessa maneira, com os avanços tecnológicos na área da bioética e da bioengenharia traz-se problemas éticos importantes, visto que os direitos de manipulação genética, relacionados a biotecnologia e bioengenharia, tratam de questões sobre a vida e a morte. Com isso, os Direitos do Homem objectivam a protecção não só do homem enquanto indivíduo, mas também, e, sobretudo, como membro de uma espécie.

Nesse contexto, temos a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, aprovada em 11 de novembro de 1997 e assinada por muitos países, onde cada um dos países signatários se comprometeu a divulgá-lo e a buscar soluções objectivando a conciliação entre o avanço da tecnologia e o respeito aos direitos do homem. Nesta declaração foram estabelecidos limites éticos em relação à intervenção acerca do património genético do ser humano. A declaração representa uma tentativa de criar uma ordem ético-jurídica intermediária entre os princípios da bioética e a ordem jurídica positiva, o que irá obrigar os países signatários a incorporar as suas disposições no seu ordenamento jurídico nacional. Neste âmbito de criação de documentos internacionais e sua pratica há ainda uma questão que não se cala, a de como se pode garantir que Estados signatários a esses instrumentos coloquem na prática a conformidade de toda disposição teórica?

Portanto há que se confirmar que os direitos da quarta geração comprometem o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política. Embora a filosofia bobbiana não tenha chegado a estudar a quinta geração, muitos autores tratam dela como sendo referente à questão das novas tecnologias, sobretudo, a cibernética e a internet. Essas gerações, numa primeira análise, representariam a conquista pela humanidade de três espécies de direitos do homem, amparada nos ideais divulgados especialmente na Revolução Francesa, os quais se resumiam no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Coincidentemente, cada uma dessas expressões representaria uma geração de direitos a ser conquistada. De fato, a humanidade progrediu moralmente, ao passar de uma "era dos deveres" para uma "era dos direitos".

Considerações finais
Partindo da realidade de Moçambique considera-se neste artigo que os direitos destas gerações, os que representam a liberdade do homem contra o poder absoluto do Estado, estão nível de efectivação abaixo do que devia existir, visto que é inconcebível que num mundo quanto hoje os indivíduos não possam fazer pronunciamentos livremente "livres" do campo politico, sem que seja visto como o outro e ou forasteiro. Continua-se num mundo em que precisa-se de alguma identificação para que certas liberdades políticas sejam expressas sem nenhuma intimidação sistemática. Portanto, pode-se até cantar em topo pais que há liberdades individuais, mas na prática há aquilo que se designa de representação social do eu hoje e agora. Só para uma breve reflexão, que liberdades individuais politicas o indivíduo com nível baixo de escolaridade ou do interior do país tem, na prática, para mudança duma legislação que não lhe favorece? Ou por outra, porque tornar a maior parte dos moçambicanos objectos das legislações e não sujeitos? Ao centrar-me na legislação não pretendo demonstrar que seja a única área que considera moçambicanos objectos, bem que poderia citar varias outras áreas como as áreas que tem por obrigação proporcionar o direito de qualidade a todos moçambicanos atinente a saúde, educação, habitação, etc.


Referências
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LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
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